terça-feira, 15 de setembro de 2015

Finalmente é hora de homenagear os primeiros genes do mexilhão dourado! Crowdfunding rocks!


É com imensa satisfação que anunciamos o sequenciamento e anotação completo do genoma mitocondrial do mexilhão dourado! And guess what? Esse genoma codifica 37 genes, e por isso, nossos primeiros colaboradores vão poder batizá-los!! 

Se você não sabe do que estou falando, dê uma olhada neste post aqui, e nesse vídeo!

Imagino que você já tenha ouvido falar sobre a mitocôndria, né? Esta é uma organela celular muito importante! A mitocôndria é responsável por codificar proteínas e subunidades ribossomais envolvidas na produção de energia da célula! A mitocôndria é a única organela celular animal que possui seu próprio genoma!


Hein?

...

Vou explicar!

Cada célula do nosso corpo possui uma cópia completa do genoma nuclear dentro do seu... núcleo! Dã! Genoma nuclear dentro do núcleo... faz sentido, né? E é por isso que todas as células, todinhas, num estágio inicial do desenvolvimento, têm o potencial de se transformar em célula de qualquer um dos tecidos do nosso corpo: cérebro, fígado, coração... Porque toda célula tem uma cópia completa do genoma nuclear dentro do seu núcleo!!! O que transforma uma célula em cada coisa específica, são os diversos sinais extra e intracelulares emitidos durante o desenvolvimento embrionário... (E é por isso que tem tanta gente interessada em estudar as células tronco! Essa galera quer entender exatamente quais são esses sinas celulares que fazem do fígado um fígado! E querem poder gerar qualquer tecido do corpo de uma pessoa novamente a partir das suas células tronco. Continuando com o exemplo do fígado: se você beber demais e precisar de um fígado novo, poderá ter um transplante de um fígado gerado a partir das suas próprias células tronco, e aí vai evitar muita dor de cabeça ao não precisar de imunossupressores!).

Cool!

Mas o papo hoje não é genoma nuclear! No genoma nuclear do mexilhão dourado ainda estamos trabalhando! São em média 1 bilhão de letrinhas ACTG para colocar em ordem! A ordem final do genoma nuclear, junto com os últimos batismos de genes, serão conhecidos até o início de 2017!

O genoma mitocondrial de qualquer animal é sempre muito menor do que o genoma nuclear! No caso do mexilhão dourado, são 18145  (dezoito mil cento e...) letrinhas ACTG em sequência codificando 35 genes, e também duas subunidades ribossomais! O manuscrito onde descrevemos o genoma mitocondrial do mexilhão dourado está pronto para submissão à uma revista científica internacional! O que acontece agora é a revisão pelos pares: outros cientistas da área vão ler nosso manuscrito e confirmar se todas as análises foram feitas adequadamente, e se nossos resultados seguem os padrões científicos. Com o OK final dos pares, a revista torna o trabalho público!

E é nesse manuscrito que queremos inserir os batismos de cada gene!!! Nosso acknowledgments, ao final do manuscrito, vai referenciar cada colaborador, e o nome que ele escolheu para o seu gene! A partir daí, todo cientista que se interessar pelo genoma mitocondrial do mexilhão dourado vai ler esse manuscrito e encontrar os batismos!

Emocionante!!

...


Mas calma aí! Preciso voltar para a história da mitocôndria!
Por que a mitocôndria é a única organela que tem um genoma próprio?

Pasmem: há muitas evidências de que a mitocôndria era uma bactéria de vida livre que foi engolfada e não digerida por uma célula animal, estabelecendo uma simbiose! Essa simbiose - relação mutuamente vantajosa entre dois ou mais organismos vivos de espécies diferentes - foi tão vantajosa que com o passar do tempo a bactéria se tornou uma organela celular! E é por isso que a mitocôndria tem seu próprio genoma e é capaz de se duplicar, transcrever e traduzir sua própria informação genética; porque um dia ela foi uma bactéria independente! Dá uma olhadinha na imagem abaixo, veja se ela não tem uma carona de bactéria, hein?

Figura 1: Ilustração de uma mitocôndria animal! Organela celular que tem seu próprio DNA. Acabamos de sequenciar e montar o genoma completo da mitocôndria do mexilhão dourado, e nossos colaboradores no Catarse vão poder batizar os genes dela! *creative commons licence


Uau!

Vai dizer que a biologia não é surreal? Bactérias entrando em células animais e ficando lá para sempre... Bem mais legal do que filme de alien!!

...

Estamos TÃO orgulhosos de batizar os genes da mitocôndria do mexilhão dourado! 

A coisa vai funcionar da seguinte forma: abaixo estão os nomes dos colaboradores e o nome oficial do gene que eles devem batizar! Vamos por ordem de doação! Por isso, os primeiros 13 colaboradores que doaram R$ 100 ou mais, vão nomear os genes que codificam as proteínas envolvidas no complexo catalítico formador de ATP e também as duas subunidades ribossomais codificadas pela mitocôndria! Os primeiros 24 colaboradores que doaram até R$50, vão batizar os genes codificadores dos RNAs transportadores!!

Os genes codificados na mitocôndria estão todos envolvidos na produção de energia! A mitocôndria funciona dentro da célula mais ou menos como uma usina hidrelétrica: a força da água, energia mecânica, é convertida em energia elétrica pela hidrelétrica, certo? A mitocôndria transforma a energia que ingerimos como alimento em ATP (no biologuês: adenosina trifosfato), que é a molécula armazenadora de energia em todos os sistemas biológicos! Assim como a gente precisa de energia elétrica para tudo - como exemplo, carregar o celular pra não perdermos nenhuma foto no Instagram! - o organismo também precisa de ATP para manter o metabolismo funcionando!!

Por isso, quando for batizar o seu gene, ESCOLHA PRA ELE UM NOME BEM ENERGÉTICO!!

Essa é a lista dos colaboradores que doaram até R$50* e vão batizar RNAs transportadores (tRNA):

1-) Afonso Henrique Coelho Dantas - tRNA (Phe) / leia-se: RNA transportador fenilalanina!
2-) Leandro Léo Rebelo - tRNA (Trp) / tRNA Triptofano
3-) Tatiana Medeiros Barbosa Cabrini - tRNA (Lys)1 / tRNA  Lisina 1
4-) Ana Flavia Maestri - tRNA (Tyr) / tRNA Tirosina
5-) Juliana Alves Americo - tRNA (Lys) 2 / tRNA Lisina 2
6-) Vinicius de Toledo Ribas - tRNA (Ala) / tRNA Alanina
7-) Debora Batista Pinheiro Sousa - tRNA (His) / Histidina
8-) Adriana Cabanelas Pires - tRNA (Gly) / tRNA Glicina
9-) Gabriela Pimenta dos Reis - tRNA (Pro) / tRNA Prolina
10-) Ricardo Laurentino dos Santos - tRNA (Cys) / tRNA Cisteína
11-) Mariana Dias Ribeiro - tRNA (Leu) 1 / tRNA Leucina 1
12-) Juliana Manasfi Figueiredo - tRNA (Ile)
13-) Martin Bonamino - tRNA (Ser) 1 / tRNA Serina 1
14-) Wolferson José de Arruda - tRNA (Ser) 2 / tRNA Serina 2
15-) Bruno Sakai Costa - tRNA (Asp) / tRNA Ácido Aspártico
16-) Morgana Rezzadori Camara - tRNA (Glu)
17-) Rafael Bento da Silva Soares - tRNA (Leu) 2 / tRNA Leucina 2
18-) Raquel Moraes Soares - tRNA (Gln) / tRNA Glutamato
19-) Lilian Nogueira - tRNA (Arg) / tRNA Arginina
20-) Evelise Dambros da Luz - tRNA (Val) / tRNA Valina
21-) Abrahão Silva de Souza - tRNA (Thr) / tRNA treonina
22-) Mariana capparelli - tRNA (Asn) / tRNA Aspartato
23-) Clarissa Rossato Nicoloso - tRNA (Met) 1 / tRNA Metionina 1
24-) Rafael Tuma Guariento - tRNA (Met) 2 / tRNA Metionina 2

* colaboradores que doaram R$50 e até R$100 vão ganhar nomes de genes órfãos! E esses genes estão presentes apenas no genoma nuclear! Então vão precisar esperar mais um pouquinho com o resto do pessoal!

E a seguir a lista dos colaboradores que doaram mais de R$100 (e menos de R$ 1,000)! Eles vão nomear os genes que codificam os proteínas envolvidas no processo de respiração celular! Além disso, dois colaboradores vão nomear as sequências de DNA que dão origem a duas subunidades ribossomais! Os ribossomos são importantíssimos na construção de outras proteínas! Todos esses colaboradores vão receber por e-mail também uma ilustração do seu gene personalizada com o nome escolhido!

25-) João Batista de Mello - ND6 ou NADH desidrogenase 6
26-) Alexandre Rossi Paschoal - CYTB / citocromo B
27-) Lúcia de Moraes - ND4L / NADH desidrogenase, subunidade 4L
28-) Marcelo Simões Rezende - ND5 / NADH desidrogenase, subunidade 5
29-) Emanuel Barbosa de Castro e Moura - COX2 / citocromo c oxidase, subunidade 2
30-) Luiz Fernando Nicolai Weinmann - COX1 / citocromo c oxidase, subunidade 1
31-) Leila Costa Vecchio - COX3 / citocromo c oxidase, subunidade 3
32-) Gracielle Vendruscolo Braga - ND3 / NADH desidrogenase, subunidade 3
33-) Thiago Cruz Negreiros - ND4 / NADH desidrogenase, subunidade 4
34-) Jean Remy Davee Guimaraes - ND2 / NADH desidrogenase, subunidade 2
35-) Rafael Trevisan - ND1 / NADH desidrogenase, subunidade 1
36-) Roberto Lent - s-rRNA / RNA ribossomal, subunidade pequena (small)
37-) Leonardo Mataruna R-rRNA / RNA ribossomal, subunidade grande (large)

Pedimos aos financiadores citados aqui que batizem seus genes ao longo dessa semana, se possível! Precisamos submeter o manuscrito para a revista científica, que então vai enviar para revisão pelos pares!


Crowd, temos muito orgulho de vocês! Nós, pesquisadores do projeto de sequenciamento e montagem do genoma do mexilhão dourado, acreditamos na participação ativa e direta da sociedade em financiar projetos científicos e ideias relevantes!



O processo de revisão do manuscrito científico pelos pares pode levar alguns meses! Por isso, não sejamos ansiosos: assim que o manuscrito estiver publicado enviaremos uma cópia para cada um de vocês!

Não entendeu alguma parte do processo? Por favor deixe um comentário no blog e nós logo responderemos!


Juntos somos mais fortes! Vamos terminar com um trecho escrito pelo John?

"...You may say I'm a dreamer, but I'm not the only one. I hope someday you will join us. And the world will be as one..."







sexta-feira, 31 de julho de 2015

A cobra com patas e os "direitos" dos cientistas brasileiros


Você já ouviu falar na história de que os pássaros são os dinossauros do nosso tempo? Isso mesmo. Os pássaros parecem ser os parentes mais próximos dos dinossauros que vivem no Planeta Terra nos dias de hoje.

O máximo, né? 

Uma das evidências mais importantes - estudada pelos paleontólogos para chegar a essa conclusão - é o fóssil Archaeopteryx; um gênero animal que viveu no período Jurássico, há aproximadamente 150 milhões de anos, pelas bandas do que hoje é o sul da Alemanha. Seu nome em alemão, Urvogel, significa primeiro pássaro. Eram espécies pequenas e com asas largas, o que provavelmente os possibilitava voar. No entanto, eles possuíam mandíbulas com dentes afiados, três dedos com garras, uma longa cauda óssea e penas; características típicas dos dinossauros. Tudo isso você consegue observar no fóssil, e por causa dessas características esse gênero é considerado a transição animal entre dinossauros e aves.


Ceative commons license: Archaeopteryx lithographica, found in the Jurassic Solnhofen Limestone of southern Germany.

Porque queria mostrar aos seus alunos o Archaeopteryx, o cientista inglês Dr. David M. Martill levou a turma à Alemanha, à ummuseu na pequena cidade de Solnhofen. Chegando lá, além do fóssil do dinossauro-pássaro, Dr. Martill encontrou também um outro fóssil com a etiqueta "fóssil de vertebrado não-identificado". Estava lá, dando sopa.

O estudo desse espécime foi publicado na revista Science desta semana.

E por que foi publicado na Science? Porque tudo indica que este é um fóssil de uma cobra antiga que possuía patas!

Mas, what is the big deal  sobre termos um fóssil de cobra com patas?




Este fóssil nos ajuda a entender um pouquinho sobre a evolução das cobras. Vai dizer que você também não acha as cobras animais peculiares? Pois bem: os cientistas já sabem que muito provavelmente as cobras evoluíram dos lagartos, mas não entendem exatamente de qual espécie de lagarto, quando e por que elas evoluíram para cobras. O Tetrapodophis amplectus, esse fóssil, cujo estudo foi publicado na Science, possui apenas 8 cm de comprimento, e parece ser o molde do que um dia foi uma cobra jovem. Ele não apresenta uma cauda longa lateralizada, o que é característica dos animais aquáticos; e essa evidência sugere que as cobras não devem ter evoluído de animais aquáticos, mas sim de terrestres.

Mas a característica mais marcante para os cientistas foi encontra 2 pares de patas em Tetrapodophis amplectus! Aparentemente, as primeiras espécies de cobras existentes no Planeta Terra, lá beeeem antigamente, tinham patas, com mãos, dedos e tudo!



A história evolutiva das cobras que os cientistas tinham conseguido contar até agora, envolvia a possível presença de pernas vestigiais, no momento em que as cobras deixaram de andar e começaram a se arrastar. Mas, juntando esse fóssil às evidências, parece que a história é um pouquinho diferente: os cientistas estão especulando se ao invés de tornar-se um órgão apenas vestigial, se essas patas não podem ter tido alguma utilidade nessas cobras primitivas, como para caçar e prender presas.

Mais um pedacinho de evidência na luta para nos ajudar a contar a história evolutiva das cobras! 

Uau, hein?



A preservação e o encontro de fósseis intactos é algo extremamente raro de acontecer. Por isso, cada evidência como essa, que nos ajuda a montar de forma mais acurada a história evolutiva dos seres vivos na Terra, é um material extremamente precioso!

E sabe onde essa cobra patuda vivia?

No Brasil, no Ceará! Há cerca de 120 milhões de anos.

Mas... se esse é o fóssil de uma espécie que viveu no Ceará, o que ele estava fazendo perdido num museu na Alemanha?


Ahá.

Pois então.

Bom, a gente já sabe que durante todo o período colonial, os europeus extraíram muitas riquezas das suas colônias (Américas, África, Oceania) e levaram para a Europa. Mas a verdade é que no Brasil esse despatriamento que riquezas não parou até hoje. Há várias evidências e denúncias de contrabando de fósseis, mas pouca investigação e contenção desse crime contra a ciência.



No caso do Tetrapodophis amplectus, parece que ele permaneceu em uma coleção privada por muitos anos antes de ir parar no museu Alemão. Segundo os pesquisadores europeus envolvidos no estudo desse fóssil, eles o encontraram pela primeira vez já lá na Alemanha. Bem longe do Ceará. E então o estudaram, e trouxeram essa imensa contribuição para a ciência ao conhecimento de todos. 

Depois que o trabalho foi publicado, uma polêmica foi levantada no Brasil sobre a possível ilegalidade da transferência do fóssil para a Europa, e sobre um possível direito dos cientistas brasileiros sobre o estudo do mesmo. 


Quando questionado sobre o caso da transferência ilegal do fóssil para a Alemanha, e sobre incluir cientistas brasileiros no trabalho, em se tratando de um fóssil procedente do Ceará, o paleontólogo inglês, Dr. Martill, fez algumas colocações interessantes.



 “...That also lead to xenophobia — Brazil fossils for Brazilians, British fossils for Brits. It should be fossils for all. No countries existed when the animals were fossilized..."
"...For me nationality (or sexuality) is not an issue. If you invite people because they are Brazilian then people will think that every Brazilian author on a scientific paper is there because he is Brazilian and not because he is a clever scientist..." 

Numa tradução simplificada e não literal, ele diz que quando os animais foram fossilizados não havia ainda países. E que adicionar cientistas brasileiros na pesquisa apenas por eles serem brasileiros poderia levar à uma interpretação errada do papel desses cientistas. 


(Escolhi deliberadamente alguns trechos da entrevista do cientista para argumentar o meu ponto. Para uma leitura completa e independente da entrevista do Dr. Martill, clique aqui). 

Além de fazer comentários - que do meu ponto de vista - foram sensatos, no entanto, o paleontólogo se excede em comparações sem sentido, misturando assuntos delicados e não relacionados.


De qualquer forma, acho que temos abordado o assunto pelo ângulo errado. Será que devemos continuar discutindo a eticidade do cientistas inglês - como pesquisador e como pessoa - e esquecer o verdadeiro coração desse problema?



Será que não devíamos pensar sobre o que esse caso diz sobre nós brasileiros?


Conheço alguns paleontólogos e estudantes de paleontologia brasileiros, e não tenho dúvidas de que o Brasil tem cientistas competentes o suficiente para fazer a descrição desse fóssil. Mesmo assim, isso não aconteceu. Qual é então a pergunta mais importante aqui? Não seria, por que?
E depois dessa: até quando?

O Brasil não é o país da ciência. Nos últimos tempos, nem do futebol. Agarrar a bandeira verde e amarela e gritar "o fóssil é nosso!!!" é simplesmente mudar de assunto.


Quando vamos começar a fazer e responder às perguntas mais difíceis e mais importantes? 





segunda-feira, 15 de junho de 2015

Resposta às indagações de um estudante: a vida que vale a pena ser vivida.

Dias atrás recebi um e-mail de um estudante do terceiro ano do ensino médio, meu conterrâneo da cidade de Criciúma em SC, me contando que gostaria de prestar vestibular para biologia no final do ano, mas ainda tinha algumas dúvidas sobre se teria escolhido a profissão certa. Indagou se poderia me fazer algumas perguntas sobre a profissão, se eu poderia dar a minha opinião sobre o tema!

Ora, é claro que eu posso falar um pouco, e fico contente que confiem na minha experiência. No entanto, logo afirmo que meu caminho na biologia é único, individual, não tão longo e, por todas essas razões, limitado. Assim como o de todos os biólogos! Além de tudo, a minha perspectiva sobre a vida é sempre um pouco filosófica. Por isso, o conselho número um que eu posso e gostaria de dar é: não siga ao pé da letra os conselhos de ninguém! Conheça-se: conheça os seus desejos, os seus anseios, e os seus valores! Se você tiver o conhecimento de si mesmo, e a humildade e maturidade para saber ouvir os outros, vai tomar decisões acertadas na vida na maior parte dos casos (mesmo que em certos momentos o senso comum diga que você deveria seguir em outra direção!).
Então vamos às perguntas e às minhas respostas:

1-) O que tem de negativo e de apaixonante que me faria desistir ou seguir a carreira? Como é realmente o dia a dia de um biólogo?

 Pois bem. O biólogo é um profissional bem diversificado, e a rotina de diferentes biólogos vai variar tremendamente. Uns trabalham em ONGs de preservação da biodiversidade, outros lecionam biologia nas escolas de ensino fundamental e médio. Outros biólogos optam por seguir carreira de pesquisador e professor do ensino superior, e para isso continuam sua formação acadêmia, fazendo mestrado e doutorado, por volta de 7 ou 8 anos após o fim da graduação. Encontrei esse post interessante que menciona salários e distingue o biólogo bacharel do licenciado. Recomendo a leitura para ter um panorama mais técnico sobre o assunto. Link aqui de novo: http://goo.gl/eNxieA 

Um dos pontos mais negativos, ao meu ver, é a falta de valorização do profissional biólogo em termos de salário. Tanto para professores do ensino básico e médio, quanto para biólogos sem nível de pós-graduação, os salários podem ser bem desvalorizados (você encontra comentários sobre isso no mesmo post indicado à cima). A desvalorização do professor não é privilégio único dos professores de biologia, infelizmente. A situação desse profissional é crítica no país há muito tempo. Quando à desvalorização do trabalho pela preservação da biodiversidade, essa está muito ligada ao modelo econômico desenvolvimentista que ainda empregamos. Um exemplo: na última entrevista da presidente Dilma ao Jô Soares, ouvimos ela afirmar várias vezes que "não controla a seca", e por isso não controla os gastos econômicos gerados por ela. Ora, acho que ela anda ouvindo pouco alguns cientistas do país, como Antônio Nobre:







Cada vez mais as pesquisas científicas demonstram a relação direta da presença da densa floresta amazônica com os níveis de chuva no sudeste. Sem floresta não tem água. Quanto menos combater o desmatamento da amazônia, mais problemas com a seca ela terá durante o seu governo. 

Dessa forma: um dos pontos mais negativos da profissão de biólogo é trabalharmos num mundo ainda muito mal informado, e que por isso não valoriza e possibilita o trabalho pleno do biólogo em pró da preservação da biodiversidade; outras formas de vida que não incluem só a vida humana.

Mas é também nessa dificuldade que se encontra uma das grandes graças da biologia: o seu poder educacional. Há muito o que se esclarecer sobre desenvolvimento sustentável, e o biólogo tem papel decisivo nesse processo educativo.  E isso pode ser bem emocionante!

 3-) E o que é investido tem retorno?

 Minha resposta para essa pergunta só pode ser filosófica: o que você considera retorno

Sério. Estou perguntando isso mesmo! 


Há de se pensar o que se quer da vida! Dou meu exemplo pessoal: sou catarinense e faço doutorado em Biofísica na Universidade Federal do Rio de Janeiro. No momento estou na Alemanha, onde ficarei por um ano trabalhando em um laboratório de biologia computacional, fazendo meu doutorado sanduíche. Cursei biologia na Ilha da Magia em Florianópolis, e quando o curso acabou me mudei para o RJ. Hoje estou na Alemanha, e durante minha vida acadêmica já passei 11 meses na Inglaterra e 2 meses na Itália. Todas essas minhas viagens têm sido muito felizes e produtivas e, pra mim, têm valido muito a pena: porque valorizo minha carreia - sinto empolgação no trabalho a cada dia - e essas viagens sempre possibilitam que a qualidade do meu trabalho de pesquisa aumente. Porque valorizo viver novas experiências, conhecer culturas diferentes. Valorizo aprender que a forma como vejo o que seria "uma vida boa" não é a mesma forma que pessoas em outros lugares do mundo veem. Todas essas experiências me tornam uma cientista e um ser humano mais completo, mais humilde, tolerante com as diferenças. Só que toda essa mudança pra lá e pra cá no mundo tem seu lado negativo: a distância da família e dos amigos, do que nos é familiar no nosso lugar de origem, e das coisas que só conseguimos fazer lá e em nenhum outro lugar. Além disso, uma vida de pós-graduando com dedicação plena no Brasil significa viver pelo menos 6 anos com bolsa de estudos: sem férias, sem direitos, sem contribuição para a aposentadoria. A Prof. Suzana Herculano tem um texto bastante realista sobre essa situação, e eu recomento a leitura. Aqui.

Dessa forma, vale você pensar o que significa retorno para você. No meu caso, não consigo pensar em sacrificar meu dia a dia como doutoranda fazendo ciência, como educadora e escritora, pela segurança de um emprego mais estável, mas também mais mecânico. Decidi, e decido a cada dia (pois recalculo minha rota constantemente) correr o risco da alta competitividade por uma vaga no mundo acadêmico após o doutorado, por acreditar que uma vida como cientista e educadora na universidade me fará mais contente.

O que faz você feliz? 

Certamente você ainda é bastante jovem e tem muito a aprender. Assim como eu (e qualquer pessoa que tenha até por volta de uns 90 anos.. de repente um pouquinho mais!). E como essa nossa vida é muito curta e preciosa, recomendo que você comece a pensar nisso o quanto antes! Uma das TED talks mais magníficas dos últimos tempos recomendada para pessoas jovens é essa: Why 30 is not the new 20! 








Recomendo! Se você não for ler nenhum dos outros textos que recomendei ao longo do post, pelo menos assista à essa TED Talk!!!


Recomendo também uma iniciação em filosofia LEVÍSSIMA, livro do Prof. Clóvis de Barros Filho. Não há academicismos dentro do texto, é leitura leve. O livro chama-se A vida que vale a pena ser vivida.


Espero que eu tenha ajudado. (Ou só compliquei mais ainda?)Termino com uma frase magnífica que, pra mim, defini felicidade: 


 "I don't want to live any other life apart from the one I'm living." - definition of happiness.







quinta-feira, 4 de junho de 2015

Letrinhas em movimento: como anda o sequenciamento do genoma do mexilhão dourado?

O mexilhão dourado está na Alemanha!

Não, não se assuste! Isso não significa dizer que ele invadiu águas europeias!

Ufa!

O que eu quis dizer é que o projeto do sequenciamento do genoma do mexilhão dourado começou uma colaboração com um instituto de pesquisa alemão, e por isso as letrinhas A, C, T, G do genoma do mexilhão dourado andam passeando pelo hard drive e pela memória ram de super computadores alemães...

Eu, Marcela, estou fazendo um ano de doutorado sanduíche, com bolsa da CAPES, em um instituto de pesquisa em Berlim chamado Leibniz Institute for Zoo and Wild Life Research (IZW), e continuo a montagem do genoma do mexilhão dourado dentro de um núcleo de bioinformática conhecido como Berlin Center for Genomics in Biodiversity Research (BeGenDiv). Essa sou eu por aquihttp://goo.gl/WAqdei 

O IZW e o BeGenDiv produzem ciência voltada para o estudo do comportamento e da genética animal, com fins de preservação da vida selvagem, e das espécies ameaçadas de extinção. E também, como no caso do mexilhão dourado, estudam a genética de espécies que ameaçam a diversidade e a vida selvagem!

Aqui na Alemanha eu sou orientada pela Dr. Camila Mazzoni, que está trazendo sua expertise em anotação de genes para o projeto do genoma do mexilhão dourado.

Mas o que significa anotação de genes?

O sequenciamento e a montagem de um genoma envolvem várias etapas. É preciso:

1-) Coletar o animal e extrair o seu DNA - já fizemos essa parte no Brasil!

2-) Depois, precisamos inserir esse DNA numa máquina de sequenciamento de letrinhas. Para que as letrinhas do genoma sejam geradas pela máquina, é preciso comprar reagentes químicos um tanto caros, e foi aqui que investimos uma parte do nosso dinheiro de financiamento, que inclui o nosso crowdfunding! Gastamos em torno de R$ 42.600,00 para gerar as sequências genéticas do mexilhão (as letrinhas!) em dois diferentes centros de sequenciamento: um deles na UNESP de Jaboticabal, e o outro na Itália na cidade de Perugia, no chamado Polo d'Innovazione di Genomica, Genetica e Biologia (Polo GGB)*. 

Letrinhas caras essas, né? Mas o que a gente faz com elas agora?

3-) É preciso montar o genoma. O genoma do mexilhão dourado é formado por mais ou menos 800 milhões de letrinhas A,C,T,G seguidas. Mas quando elas são geradas pela máquina de sequênciamento, essas letrinhas não saem de lá compriiiiiiiiidas já formando longos fragmentos até chegar aos 800 milhões necessários. Na verdade, as chamadas reads (ou sequências) que são geradas pelo sequenciador são bem curtas: cada read é composta de mais ou menos 100 letras A,C,T,G! Várias e várias dessas reads são geradas pelo sequenciador de genomas. Então você imagina: é preciso pegar todas as sequências de 100 letrinhas e dar sentido à elas, até que elas formem a ordem correta das 800 milhões que compõe o genoma completo do mexilhão! É como um quebra cabeça com muitas peças embaralhadas! E para resolver esse quebra cabeça é preciso usar diferentes programas computacionais. Trabalho puxado que estou desenvolvendo nesse momento!!!

Quando já tivermos as letrinhas na sequência correta formando o genoma então,

4-) Precisaremos anotar os genes dentro desse genoma! Nem todas as letrinhas codificam os blocos da vida que geram os nossos tecidos e órgãos: as letrinhas que fazem isso são chamadas genes, e é preciso identificá-las no meio das outras sequências que têm outros papéis na geração da vida. Muitas dessas outras sequências são como guardas de trânsito; controlando a expressão dos genes na célula.

Esse trabalho de diferenciação entre genes e guardas de trânsito já está sendo iniciado - a medida que vamos gerando os primeiros grandes blocos de letrinhas em sequência correta através da montagem do genoma - e vai continuar pelos próximos dois anos, até que o projeto esteja em sua fase final, no início de 2017.

São esses genes que serão nomeados a partir dos nosso queridos colaboradores! Quando a hora de nomear genes chegar, e ela há de chegar, todos os colaboradores receberão um e-mail e precisarão escolher o nome dos seus genes! Que sejam generosos e deem nomes legais! Porque já bastam os nomes reais dos genes que indicam as funções bioquímicas deles! Por exemplo: o gene da glucose-6-fosfato-desidrogenase... an?? Fala sério! Que nomão!! Tomara que no genoma do mexilhão dourado ela chame-se John glucose-6-fosfato-desidrogenase ou Mary glucose-6-fosfato-desidrogese... Melhor, hein?

Acho que por hoje vou ficando por aqui. Em Berlim: eu, meu computador, as letrinhas... e o mexilhão! 




Quem estiver interessado em uma ciência mais hardcore pode dar uma olhada no último capítulo de livro que escrevemos sobre a relação da genética com a capacidade invasiva do mexilhão dourado. O capítulo está dentro deste livro: http://www.springer.com/gp/book/9783319134932 


*Quem quiser mais detalhes sobre os pagamentos, recibos e coisa e tal, pode escrever pra mim: marcela.uliano@gmail.com

domingo, 25 de janeiro de 2015

"Quem sou eu? Eu sou uma pergunta."

Recebi muito input externo essas últimas semanas – leituras, vídeos, diálogos com amigos, e até a experiencia mais dura do confronto com a realidade e inevitabilidade da morte – que culminaram na minha vontade de escrever esse texto.

Fiquei pensando sobre as definições de tempo e sucesso da sociedade contemporânea. Já peço desculpas imediatas pelas próximas generalizações que faço - que são necessárias na hora de se escrever um texto falando sobre definições - e gostaria de deixar claro que valorizo e admiro a busca individual de cada um (para os que fazem essa busca) por suas próprias verdades, por suas próprias definições.

No geral, diariamente nossa rotina e tempo envolvem uma sucessão de longas horas de tarefas, compromissos e atividades. Nesse mundo lotado de informação, de celulares e aplicativos de produtividade, não temos tempo para expressar e viver nossas particularidades individuais: ir em busca das perguntas e respostas que mais nos intrigam, das atividades que mais gostamos. O mais preocupante não é nem a falta de tempo; é que não nos damos conta dela.

Essa loucura automática diária em que vivemos é supostamente a nossa forma de ir em busca do chamado sucesso. O sucesso, numa definição crua e mal analisada, atualmente muito atrelado ao eu: minha carreira, meu prestigio, minha casa, meu dinheiro e meus bens materiais.


Está tudo errado.

Não é somente a minha ou a sua impressão, mas os levantamentos quantitativos demonstram que as pessoas que se sentem mais realizadas não são necessariamente as que tem maior segurança material, que representa a nossa definição de sucesso. As pessoas realizadas são outras:



Essa TEDx talk em Victoria no final de 2014 do meu amigo David Lang, conta um pouco da sua história pessoal. Primeiro, de forma fantástica, David trás a noção do tempo a partir da perspectiva dos dias. Ele não conta a sua vida em anos, mas em dias vividos. E esse é um exercício que todos nós deveríamos fazer. A consciência e o apreciar de cada dia vivido pode nos ajudar a tirar nossos dias do automático: por mais que durante a semana tenhamos uma série de atividades para desenvolver, da mesma forma, todos os dias, precisamos estar conscientes de que este é um dia valioso, e temos que fazer neste dia o que realmente nos importa.

O que me importa? Como aprecio a vida diariamente?

São perguntas que precisamos nos fazer urgentemente.

Me deparar com a dolorosa realidade da inevitabilidade da morte, e da fragilidade da vida, a partir da perda de um amigo querido, colocou mais urgência ainda na minha busca por essas respostas.

Outra preciosa lição que sai da história de vida do David é a sua definição de sucesso. Lá para o final da sua talk ele afirmar “montei uma empresa, escrevi um livro, dei uma TED talk. Acho que estou realizado.”

E o que ele conclui a partir disso?

“Success is not personal”. - David Lang

Que quando a gente conquista individualmente as coisas que busca, elas não parecem mais tão especiais assim. É por isso que pessoas que atingiram a estabilidade financeira e material, quando acham que esse é todo o sentido da vida, acabam se tornando extremamente infelizes e insatisfeitas. Consquitou coisas, mas não satisfez o desconforto e a ânsia de realizar.

Diante da efemeridade e pequenez da vida individual de cada um de nós, você achava mesmo que ser apenas um ser produtor de resíduos; que tem uma casa linda, um iate e um pau de selfie, iria preencher os seus anseios mais profundos de realização pessoal? Porque estamos conscientes de que a nossa vida individual é pequena, curta e insignificante, faz sentido constatarmos que as pessoas mais felizes são aquelas que partilham: experiências, bens financeiros, conhecimentos. São aquelas pessoas que fazem algo além da sua borda: que transbordam. Que envolvem outros, que modificam e sensibilizam a vida de outros. E assim se eternizam.

“A dream you dream alone is only a dream.
A dream you dream together is reality.” – Yoko Ono

Que você tenha um bom dia.