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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Letrinhas em movimento: como anda o sequenciamento do genoma do mexilhão dourado?

O mexilhão dourado está na Alemanha!

Não, não se assuste! Isso não significa dizer que ele invadiu águas europeias!

Ufa!

O que eu quis dizer é que o projeto do sequenciamento do genoma do mexilhão dourado começou uma colaboração com um instituto de pesquisa alemão, e por isso as letrinhas A, C, T, G do genoma do mexilhão dourado andam passeando pelo hard drive e pela memória ram de super computadores alemães...

Eu, Marcela, estou fazendo um ano de doutorado sanduíche, com bolsa da CAPES, em um instituto de pesquisa em Berlim chamado Leibniz Institute for Zoo and Wild Life Research (IZW), e continuo a montagem do genoma do mexilhão dourado dentro de um núcleo de bioinformática conhecido como Berlin Center for Genomics in Biodiversity Research (BeGenDiv). Essa sou eu por aquihttp://goo.gl/WAqdei 

O IZW e o BeGenDiv produzem ciência voltada para o estudo do comportamento e da genética animal, com fins de preservação da vida selvagem, e das espécies ameaçadas de extinção. E também, como no caso do mexilhão dourado, estudam a genética de espécies que ameaçam a diversidade e a vida selvagem!

Aqui na Alemanha eu sou orientada pela Dr. Camila Mazzoni, que está trazendo sua expertise em anotação de genes para o projeto do genoma do mexilhão dourado.

Mas o que significa anotação de genes?

O sequenciamento e a montagem de um genoma envolvem várias etapas. É preciso:

1-) Coletar o animal e extrair o seu DNA - já fizemos essa parte no Brasil!

2-) Depois, precisamos inserir esse DNA numa máquina de sequenciamento de letrinhas. Para que as letrinhas do genoma sejam geradas pela máquina, é preciso comprar reagentes químicos um tanto caros, e foi aqui que investimos uma parte do nosso dinheiro de financiamento, que inclui o nosso crowdfunding! Gastamos em torno de R$ 42.600,00 para gerar as sequências genéticas do mexilhão (as letrinhas!) em dois diferentes centros de sequenciamento: um deles na UNESP de Jaboticabal, e o outro na Itália na cidade de Perugia, no chamado Polo d'Innovazione di Genomica, Genetica e Biologia (Polo GGB)*. 

Letrinhas caras essas, né? Mas o que a gente faz com elas agora?

3-) É preciso montar o genoma. O genoma do mexilhão dourado é formado por mais ou menos 800 milhões de letrinhas A,C,T,G seguidas. Mas quando elas são geradas pela máquina de sequênciamento, essas letrinhas não saem de lá compriiiiiiiiidas já formando longos fragmentos até chegar aos 800 milhões necessários. Na verdade, as chamadas reads (ou sequências) que são geradas pelo sequenciador são bem curtas: cada read é composta de mais ou menos 100 letras A,C,T,G! Várias e várias dessas reads são geradas pelo sequenciador de genomas. Então você imagina: é preciso pegar todas as sequências de 100 letrinhas e dar sentido à elas, até que elas formem a ordem correta das 800 milhões que compõe o genoma completo do mexilhão! É como um quebra cabeça com muitas peças embaralhadas! E para resolver esse quebra cabeça é preciso usar diferentes programas computacionais. Trabalho puxado que estou desenvolvendo nesse momento!!!

Quando já tivermos as letrinhas na sequência correta formando o genoma então,

4-) Precisaremos anotar os genes dentro desse genoma! Nem todas as letrinhas codificam os blocos da vida que geram os nossos tecidos e órgãos: as letrinhas que fazem isso são chamadas genes, e é preciso identificá-las no meio das outras sequências que têm outros papéis na geração da vida. Muitas dessas outras sequências são como guardas de trânsito; controlando a expressão dos genes na célula.

Esse trabalho de diferenciação entre genes e guardas de trânsito já está sendo iniciado - a medida que vamos gerando os primeiros grandes blocos de letrinhas em sequência correta através da montagem do genoma - e vai continuar pelos próximos dois anos, até que o projeto esteja em sua fase final, no início de 2017.

São esses genes que serão nomeados a partir dos nosso queridos colaboradores! Quando a hora de nomear genes chegar, e ela há de chegar, todos os colaboradores receberão um e-mail e precisarão escolher o nome dos seus genes! Que sejam generosos e deem nomes legais! Porque já bastam os nomes reais dos genes que indicam as funções bioquímicas deles! Por exemplo: o gene da glucose-6-fosfato-desidrogenase... an?? Fala sério! Que nomão!! Tomara que no genoma do mexilhão dourado ela chame-se John glucose-6-fosfato-desidrogenase ou Mary glucose-6-fosfato-desidrogese... Melhor, hein?

Acho que por hoje vou ficando por aqui. Em Berlim: eu, meu computador, as letrinhas... e o mexilhão! 




Quem estiver interessado em uma ciência mais hardcore pode dar uma olhada no último capítulo de livro que escrevemos sobre a relação da genética com a capacidade invasiva do mexilhão dourado. O capítulo está dentro deste livro: http://www.springer.com/gp/book/9783319134932 


*Quem quiser mais detalhes sobre os pagamentos, recibos e coisa e tal, pode escrever pra mim: marcela.uliano@gmail.com

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Escrevo para vencer a morte


Penso que o leitor deve ser familiarizado com a teoria da evolução das espécies vinda da ideia de seleção natural postulada por Charles Darwin, certo? Em termos muito gerais, de acordo com tal teoria, todos os organismos vivos atuais possuem um mesmo ancestral comum. Ao longo de diversas gerações, os organismos vivos foram evoluindo (não no sentido de se tornar melhor, mas sim de tornar-se mais derivado) e dando origem a novos grupos de organismos. Alguns desses sumiram para sempre, e outros vivem no Planeta Terra atualmente, como nós, os seres humanos, as diferentes espécies de aves, diferentes plantas e etc. A diversidade de seres vivos atuais é gigantesca e o grau de parentesco entre muitos deles é bastante longínquo. Os fungos por exemplo, estão em um ramo da árvore da vida bastante distante dos seres humanos. A árvore da vida possui diversos ramos diferentes.


Embora a seleção natural seja atualmente a teoria mais popular entre os biólogos para explicar a evolução das espécies, o enfoque e o ângulo pelo qual se olha para ela diverge entre os pesquisadores. Em seu interessantíssimo livro intitulado O gene egoísta, Richard Dawkins defende a ideia de que o elemento sobre o qual a seleção natural atua é o gene. Desta forma, os genes mais bem adaptados para determinada situação serão passados adiante e prevalecerão no pool gênico uma vez que, devido a sua boa adaptação, favorecem a vida de sua 'máquina de sobrevivência' (ou, simplificadamente, do indivíduo do qual fazem parte). Eles serão passados adiante justamente porque as 'máquinas de sobrevivência' que os possuírem terão uma vantagem na vida e muito provavelmente reproduzirão mais do que as 'máquinas de sobrevivência' que não possuírem àquele gene.

Mas além da conclusão lógica de que os genes mais bem adaptados serão passados para a frente pela reprodução, Dawkins intitula sua leitura de o gene egoísta justamente porque defende que o gene está interessado única e exclusivamente em sobreviver. E "pensa" só em si; não está interessado no bem da espécie onde está presente ou mesmo do indivíduo. Esta forma egoísta de ser do gene por fim, leva as 'máquinas de sobrevivência' a terem comportamentos interessantes, que estão representados no comportamento das diversas espécies vivas presentes hoje no planeta. Para maiores detalhes sobre a interessante teoria, recomendo fortemente a leitura do livro!

Mas, além de postular o gene egoísta, Dawkins lança olhar para um elemento evolutivo que se formou a partir da capacidade cognitiva do ser humano. Para o autor, a inteligência do bicho homem possibilitou o surgimento de um outro elemento de evolução; os chamados memes. Os memes são pequenas entidades inseridas a partir da cultura humana; como a música, a escrita, as artes em geral. Entenda, Dawkins não deixa de considerar o homem como mais uma espécie de animal qualquer (o que realmente somos!), apenas atenta para o fato de que o comportamento do homem não é estritamente guiado pelos genes egoístas que ele carrega, mas também pelos memes, pela cultura!

A partir disso, o autor faz uma análise interessante sobre o ser humano: se você se reproduzir, fará com que seus genes continuem presentes e passem às gerações futuras mesmo quando você morrer. Mas a medida que seus descendes vão se reproduzindo com outras pessoas, a quantidade de genes seus que serão passados a diante irá começar a diminuir, de forma que, depois de algumas gerações, a maioria dos seus genes não estará mais sendo passado adiante. Porém, os memes, ao contrário, podem durar séculos! (Com o advento da internet então, quem sabe pra sempre!). Você já pensou sobre isso? Provavelmente nenhum gene pertencente a Platão deve existir neste Planeta presente nos filhos de seus descendentes, mas seus memes, como muitos de seus diálogos, permanecem conosco até hoje!

Algo muito interessante a se concluir dessa história toda é que o ser humano, por mais egoísta que sejam seus genes, tem a possibilidade de ser altruísta a partir dos memes que produz e deixa para as gerações futuras (é óbvio que sempre acontece de se fixar um meme cretino como "Gustavo Lima e você", mas o que se há de fazer!)! Apesar de nosso instinto biológico nos impelir a tomar atitudes sempre em favor da sobrevivência egoísta de nossos genes, nossa capacidade cognitiva nos permite pensar no bem coletivo, por mais desvantajoso que aquilo posso ser para nós mesmos.

É com esse pensamento que escrevo. Escrevo para assegurar a fixação do meme das boas ideias, o meme do pensamento livre, o meme da tolerância às diferenças. Escrevo para vencer a morte.




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