domingo, 22 de dezembro de 2013

Terminei de ler - O Polegar do Panda.

"Quando eu tinha quatro anos, queria ser um coletor de lixo. Adorava o barulho das latas e o ruído do compressor; pensava que todo o lixo de Nova Iorque poderia ser comprimido num único e espaçoso caminhão. Então, quando eu estava com 5 anos de idade, meu pai levou-me para ver o Tyranossaurus no Museu Americano de História Natural. Quando nos encontrávamos na frente da fera, um homem espirrou; estremeci e preparei-me para rezar meu 'Shema Yisrael'. Mas o grande animal manteve-se imóvel em toda a sua grandeza óssea e, assim que saímos, anunciei que seria paleontólogo quando crescesse."

De onde vieram os seres pluricelulares? O cérebro das mulheres é menor que o dos homens? Eram os dinossauros estúpidos? Para que serve o polegar do panda?

Ao longo de 31 ensaios, Stephen Jay Gould consegue entreter qualquer pessoa que seja minimamente interessada em saber sobre "coisas". Sobre tudo. É inspirador ler as palavras de Jay Gould pelo conteúdo rico que elas contém, mas também pela inspiração que a vida deste paleontólogo pode nos proporcionar: uma vida em busca da verdade científica norteada pela razão e pelo maravilhamento pelas questões biológicas sem resposta.

Embora tenha sido escrito na década de 1970, o livro de Jay Gould não está ultrapassado. Muito pelo contrário: ele instiga ao desejo da descoberta. Muitas das questões levantadas por ele já foram respondidas nas últimas décadas a partir da análise de DNA. Ao final de cada ensaio, entrei neste canal maravilhoso de informação que é a internet, e fui atrás de cada uma dessas respostas. 

Archaeoropteryx litographica 


Afinal, de onde vieram os dinossauros? Na década de 1970, uma das questões paleontológicas mais discutidas se referia ao parentesco dos dinossauros e das aves. Eram os dinossauros répteis gigantes ou animais de sangue quente? Dessa forma, eram as aves os dinossauros remanescentes? Ou esses magníficos animais voadores com os quais partilhamos o mundo vieram de um ramo da vida não compartilhado com os dinossauros?

Hoje, 4 décadas mais tarde, os cientistas já recolheram informações suficientes para determinar com confiabilidade qual é o parentesco entre aves e dinossauros. Você sabe qual é?




Muito mais do que me permitir aprender e agregar questões biológicas valiosíssimas, o livro de Jay Gould me relembrou que o que nos move na vida é o desejo. Nesse caso específico, o desejo da descoberta. A vida não é se não um sem fim de insatisfação, porque não podemos saber tudo, e é esse desconforto o que nos move pra frente. E é a vontade de melhorar o que nos move. O desejo nos impulsiona: a fazer mais, a querer mais, a demandar um mundo melhor, a sermos menos fatalistas e mais ativos e curiosos. 

Para se inspirar em 2014, Stephen Jay Gould.



sábado, 23 de novembro de 2013

Terminei de ler: "Queda de gigantes"

Resolvi inaugurar no blog a sessão ‘Terminei de ler’. A maior parte, se não todos, os textos desse blog são baseados em questões sobre as quais refleti ao final da leitura de algum livro, é claro. Já escrevi sobre um dos meus livros preferidos “O mundo assombrado pelos demônios” diversas vezes, e ainda preciso apresentar uma resenha do espetacular “Andar do bêbado”. Talvez faça isso agora a partir dessa sessão.

A diferença dela é que é mais direta: hoje gostaria de recomendar o livro do Ken Follet chamado ‘Queda de Gigantes’. Este é o primeiro livro da trilogia ‘O Século’. Ele não é um livro científico, ou sobre ciência. É um livro de história. Mas quem falou que a ciência não está baseada e é totalmente dependente dos fatos históricos? O que dizer sobre o ‘Projeto Manhattan’, que finalizou com a produção da bomba atômica que acabou com a II Guerra Mundial?

Mas afinal, porque os homens fazem guerras? Por que os soldados vão pra linha de frente defender o interesse dos países e das alianças em vez de pensar nos seus próprios interesses?

Para entender essas questões, que parecem tão distantes dos civis das américas ou Europa do século XXI, recomendo fortemente a leitura desse romance histórico. Vale a pena como leitura de lazer. Vale a pena como contextualizador histórico deste século gelado.

Ken Follet contratou oito consultores históricos para escrever a trilogia. Meia dúzia de editores e agentes literários leram as primeiras versões do manuscrito. O segundo livro já está encomendando, aguardo-o ansiosamente.

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1920
“ O exército francês ocuparia a região de fronteira Renânia durante 15 anos. A região do Saar se tornaria um protetorado da Liga das Nações, sendo que os franceses controlariam as minas de carvão locais. A Alsácia e a Lorena seriam devolvidas à França sem plebiscito: o governo francês temia que a população decidisse permanecer alemã. O novo Estado polonês ficaria tão grande que passaria a incluir os lares de três milhões de alemães e as minas de carvão da Silésia. A Alemanha perderia todas as suas colônias: os Aliados as haviam distribuído entre si como ladrões dividindo um butim. E os alemães seriam forçados a aceitar o pagamento de reparações de valor indeterminado – em outras palavras, teriam que assinar um cheque em branco.... O artigo do tratado dizia: “Os Governos Aliados e Associados afirmam, e a Alemanha aceita, a responsabilidade da Alemanha e de seus aliados por todas as perdas e danos os quais os Governos Aliados e Associados, bem como seus respectivos cidadãos, foram submetidos em consequência da guerra a eles imposta pela agressão da Alemanha e seus aliados."

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Nos Estados Unidos.

- Você quer ter filhos? – perguntou Gus.
- Sim!
- Eu também. Espero que o presidente Wilson não esteja certo. Segundo ele, nossos filhos vão lutar em outra guerra mundial.
- Que Deus nos livre!!

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O filósofo Bertrand Russell visitou a Rússia naquele ano e escreveu um livro curto, chamado Teoria e prática do bolchevismo. Russell atacava os bolcheviques não por terem ideais errados, mas por terem ideais certos e não conseguirem coloca-los em prática.

- Isso não quer dizer que esteja errado. Russel é socialista. A acusação dele é que os bolcheviques não estão implementando o socialismo.
- Não se pode fazer um omelete sem quebrar os ovos. – afirmou seu marido, líder do sindicato dos Trabalhadores da Grã Bretanha. 

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- Nosso governo alemão nos traiu – disse seu pai.
- Isso é o que o senhor acha. Mais e daí? Nos Estados Unidos, quando os republicanos venceram as últimas eleições, os democratas não se amotinaram!
- Os Estados Unidos não estão sendo arruinados por bolcheviques e judeus.
- Se o senhor está preocupado com os bolcheviques, então diga às pessoas para não votarem neles. E que obsessão é essa com os judeus?

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sábado, 2 de novembro de 2013

A cola do mexilhão colou meu estômago?

Mesmo depois do sucesso do Crowdfunding do mexilhão dourado, e com o trabalho em andamento no laboratório, continuo recebendo e-mails com perguntas e dúvidas a respeito da invasão de L. fortunei (esse é o mexilhão dourado!) na América do Sul. Nas últimas semanas recebi dois e-mais interessantes, que resolvi compartilhar aqui no blog, porque podem ser dúvidas que outras pessoas também tenham. Peço desculpas aos autores das questões pela demora, mas em virtude de alguns deadlines e principalmente por motivo de saúde, só consegui sentar no computador e parar pra responder nesse momento.

As primeiras questões: Minha maior duvida é, se ele veio da China, como lidaram com o problema por lá? (imagino que comeram todos, como fazem com tudo por lá). Por que o mexilhão dourado não é comestível?

Pois bem! A resposta para a primeira das perguntas é a seguinte: a grande questão é que na China ele não é um invasor! Lá ele é uma espécie nativa. As águas doces asiáticas são diferentes das sul-americanas, lá ele possui predadores naturais, e está em equilíbrio com o ecossistema. Por isso, na Ásia o mexilhão dourado não se reproduz exacerbadamente como ele faz aqui na América do Sul. 

Algumas vezes, quando esse ambiente natural muda, algumas espécies, mesmo nativas, podem sim predominar em detrimento de outras mesmo no seu local natural. Mas não é o caso para o mexilhão dourado na Ásia nesse momento.

E será que os chineses comeram todos os mexilhões dourados? Tenho que concordar com você que eles comem tudo por lá mesmo! Mas acredite: nem os chineses comem ele! Uau! E por que? Simplesmente porque ele tem um gosto muito ruim! Simples assim! Em algumas plantas já são bem conhecidas algumas estratégias contra a predação por insetos herbívoros, como a produção de tanino e fenol ou o aumento da quantidade de espinhos. Fica a questão: será que o ‘mau gosto’, a falta de sabor do mexilhão dourado é uma adaptação anti-predação e que, garante ainda mais o seu sucesso como invasor? Questão boa para se investigar!

A questão do segundo e-mail (não era bem uma questão, era mais um pedido INDIGNADO de resposta!): Sei o quanto você deve ser ocupada, mas não se esqueça de mim! Por favor!!! Aguardo ansiosamente pelas respostas que fiz há uns 3 e-mails atrás, sobre a substância que o mexilhão usa para se grudar nas superfícies! 

Leitor, desculpe a demora em responder você! Aqui está sua resposta: a substância que o mexilhão usar para se fixar chama-se bisso, e é secretada pela glândula do pé. Sim! Os mexilhões tem pé sim! Dê uma olhada no bisso secretado pelo mexilhão marinho Perna perna na figura abaixo.

                                                  Mexilhão P. perna fixo em substrato através do bisso. 
                                                                     Foto por Milla Zinkova


Essa estrutura, que é parecida com um cabelo muito resistente, é formada por um conjunto de cerca de 30 proteínas (que, quando sequenciadas, serão batizadas com o nome dos nossos colaboradores do Catarse!). Estudos mostram que o bisso pode ser até 30 vezes mais resistentes que os tendões humanos! E alguns pesquisadores já investigam a formação de suas placas adesivas na intenção de desenvolver uma cola para materiais molhados. Demais, né? Lembrando que esses estudos estão sendo feitos com bissos secretados por outros mexilhões, pois essa é uma característica comum a essa família, e não é exclusividade do mexilhão dourado.

Lembrando que apesar da falta de tempo, me sinto muito feliz em receber e-mails com dúvidas e questões interessantes, e pretendo responde-los sempre que possível. No mais, volto agora para o descanso seguido da missão de cumprir meus deadlines. Ontem fui a um médico que me diagnosticou com ‘gastrite nervosa’. Embora seja um diagnóstico duvidoso, ele pode ter seu sentido. Fui, como sempre, dar uma investigada na ‘doença’ e encontrei um dado interessante: a gastrite nervosa acomete preferencialmente mulheres jovens. 

Hum... Pausa para reflexão.

Não sei exatamente qual estatística o tal site usou para chegar a essa conclusão, mas deve ter sido a prevalência de casos em mulheres jovens em um determinado consultório médico, ou em vários. Fiquei pensando que de repente faz sentido, por dois motivos: primeiro porque nós mulheres somos umas histéricas-sentimentais-ansiosas! Não fiquem brabas comigo meninas, mas não tem jeito: nosso gênero ganha no quesito drama e na necessidade de prever todo o futuro em apenas dez minutos! Mas nesse momento, não achava que esse era o meu caso. Achava que estava mais para o segundo motivo: essa vida louca, maravilhosa, cheia de liberdade mas também cheia de responsabilidades que vivemos hoje no século XXI! Mas disso os homens jovens, apaixonados e comprometidos com seu futuro (e com o futuro do mundo) também sofrem! De qualquer forma, pra mim alguma lição ficou: não adianta adorar o trabalho mas comer miojo pra compensar as horas gastas ruminando na internet. É preciso aumentar o volume da eficiência, diminuir o da cobrança, aumentar a quantidade de horas a contemplar o teto e levar a vida leve. 

Referências:
- Aoyama & Labinas, 2012: Características estruturais das plantas contra a herbivoria por insetos.  http://www.conhecer.org.br/enciclop/2012b/ciencias%20agrarias/caracteristicas%20estruturais.pdf

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sobre beagles e imperfeição científica

Já li vários textos muito bons sobre a polêmica do rapto dos cachorros beagles do Instituto Royal, e eu podia só vir aqui e colar vários links para esses textos. Mas resolvi acrescentar apenas uma questão que parece que as pessoas não entendem. ANTES DE VOCÊ PENSAR QUE É CRUEL FAZER TESTES EM BEAGLES EU TE DIGO: O CIENTISTA QUE FAZ JÁ PENSOU NISSO.

Primeiro gostaria de afirmar o quanto acho válida e sinto orgulho dessa discussão toda: o mundo já passou por épocas tão obscuras, onde os seres humanos eram diferenciados uns dos outros por serem negros ou brancos, ciganos, católicos ou judeus. Isso levou a genocídios muito bem conhecidos por nós, como durante a escravidão na colonização das Américas e o holocausto. Mas isso mudou: junto com questões político-sociais, também a ciência, ao final do século XX e início do século XXI provou, a partir do sequenciamento e montagem do genoma humano, que somos todos iguais! Que não há diferença alguma na nossa essência. Pois bem. A partir de toda essa revolução para a dignidade humana terminamos aqui hoje: discutindo a vida de beagles. Eles são cachorros. Isso não é demais? Estamos nos aperfeiçoando como seres humanos. Estamos indo em direção ao mundo mais ideal... Fico muito feliz!

A partir disso, infelizmente, tenho uma má notícia: não temos atualmente maneira alguma de substituirmos 100% das experimentações animais. Não temos. Pode acreditar em mim. Eu não sou jornalista. Sou cientista. Bióloga. Trabalho na área.

Isso, é claro, não significa que tenhamos que ficar de braços cruzados. Mas posso te garantir algumas coisas: quando tu sentires dor ao ver um Beagle sofrer, UM CIENTISTA ANTES DE TI JÁ SENTIU PIOR. Quando pensares que podemos testar in vitro, inventar um jeito novo de fazer, UM CIENTISTA JÁ PENSOU ANTES DE TI EM TUDO ISSO, E ELE JÁ ESTÁ TESTANTO! Quando pensares que a questão é dinheiro, que usar protótipos é caro demais, eu te garanto: BIOTÉRIOS ANIMAIS CUSTAM MUITO DINHEIRO, E OS PROTÓTIPOS NÃO SUBSTITUEM EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL. Infelizmente.

Infelizmente. É o que pensam todos os cientistas que eu conheço que trabalham com animais quando pensam sobre o assunto. Todos.

Eu, por exemplo, estou escrevendo esse texto porque eu me importo. Precisava me posicionar.

Entendam uma coisa: os cientistas são seres humanos, não estou dizendo que a ciência não pode ser usada para a maldade. Estão aí os exemplos de ciência nazista que não nos deixam enganar. Mas posso garantir outra coisa: a ESMAGADORA maioria da ciência feita no mundo até hoje já salvou MUITO mais vidas do que as guerras tiraram, ou do que as mortes de animais que ocorrem hoje em dia. Para dar dois exemplos devastadores: vacinas e antibióticos. Pronto. A varíola não existe mais no mundo, ninguém morre de uma infecção bacteriana qualquer.

Mas não digo, e nunca direi, para deixarmos de buscar o mundo ideal. Primeiro: vamos todos virar vegetarianos (todo mundo que está xingando os cientistas já é, certo? Se não, há uma séria disparidade de ideias aí). Estou falando sério. Ou pelo menos, vamos parar de jogar fora aquele pedaço de carne duro que ficou no prato, vamos parar de consumir carne todos os dias... Há vários problemas na indústria de carnes e laticínios, e o pior deles é sustentado pela nossa vontade de não comer aquela carnezinha ‘ruim’ (ao mesmo tempo que milhares de pessoas morrem de fome, e toneladas de carne são jogadas fora todos os dias).

Mas pra finalizar e dar minha contribuição, dou uma dica para os não-cientistas. Se quiserem protestar com razão perante os cientistas, pressionem para que eles parem de fazer tanta pesquisa repetitiva. Porque isso de fato acontece: testes da mesma droga em modelos muito parecidos, concentrações que nunca vão ser usadas e etc. Ou mesmo, para que aulas de fisiologia sejam gravadas, e os vídeos transmitidos. 

Estou com vocês nessa. A ciência, assim como qualquer outro tópico desenvolvido através do homem, tem suas falhas. E precisamos ir atrás delas para corrigi-las. Precisamos de reformas (assim como nossos sistemas políticos e sociais). Mas isso já é história para um outro post, um outro dia...





terça-feira, 20 de agosto de 2013

"O que é felicidade meu amor" ??

Acabo de voltar do lançamento do livro A menina quebrada de Eliane Brum, jornalista gaúcha que escreve as segundas-feiras para o site da revista Época. Gosto muito dos textos da Eliane porque eles contextualizam, trazendo a vertente política (algo que considero importantíssimo), para os diversos tópicos da vida cotidiana. De certa forma, isso é algo que tento fazer também aqui nesse blog (com muito menos competência e mais modestamente que ela, é claro).

Enquanto esperava pela sessão de dedicatórias, me sentei na agradável livraria da Travessa de Ipanema para saborear um cappuccino e as deliciosas palavras de Eliane no livro que acabara de comprar. A menina quebrada é a compilação de umas tantas colunas de Eliane publicada na Época online, e entre elas encontra-se o texto intitulado Vida de clichê. Dentre a meia dúzia de colunas que li hoje a noite, esta foi uma delas, e me motivou a escrever esse pequeno post.

Nessa busca diária por escrever minha própria história – que acabou me trazendo para o Rio de Janeiro para o mestrado e agora o doutorado – uma de minhas maiores revelações pessoais foi a aceitação de um pensamento racionalista, ateísta e existencialista como norteador moral da minha vida. Minha modesta tentativa (diária e incessante) de fazer minha leitura pessoal sobre o mundo direcionou meu pensamento para esta vertente que, de maneira nenhuma, como podem pensar os partidários de certas religiões, desamparou minha vida de sentido. Muito pelo contrário, este novo 'norte moral' me motiva a cada dia.

Um dos maiores questionamentos dos meus amigos e familiares ainda religiosos - que não possuem aquele preconceito exacerbado de que os ateus são más pessoas ou que consideram o sentido pejorativo que ainda é empregado para esta palavra – sobre essa mudança de visão de mundo é justamente sobre o desamparo. Perguntam eles: “mas a falta de uma crença em algo maior não esvazia sua vida de sentindo?”

E é por responder a esta pergunta que volto à coluna da Eliane Brum. No texto Vida de clichê, Eliane conta da carta que recebeu do irmão físico, alguns dias após ela ter escrito sobre nosso ‘afastamento das estrelas’, dizia a carta:

“Somos um acidente evolutivo, ou melhor, apenas um dos inúmeros (sub)produtos. A consciência não tem nada de especial (a não ser para nós, é claro). Nossa posição temporal e geográfica no universo é totalmente irrelevante. A contrapartida é que somos capazes de perceber nossa existência (acredito que, em outros níveis, outros animais complexos também conseguem). A partir daí, o mundo, tal qual percebemos, é TUDO o que temos (e teremos!). Portanto, estamos no centro do NOSSO universo. E isso coincide com as nossas adaptações evolutivas. Assim, nossa cosmologia é encontrar um ponto de contato entre essas duas realidades: a externa, de total irrelevância, e a interna, onde somos centrais (tanto que nosso universo desaparece com a nossa morte). Por isso a religião (que resolve esse problema) é – a meu ver – uma evolução natural da nossa cultura, consequência natural da nossa evolução biológica (esse é o pensamento, mais ou menos entre outros, do Daniel Dennett, em Breaking the spell). Somos believers (crentes). O que eu acho mais interessante no ponto de vista agnóstico (ou ateu) é que, diante dessas percepções, sabemos que somos tudo o que temos (como indivíduo ou como espécie) e, portanto, temos a liberdade e a responsabilidade de definirmos o que queremos ser (como indivíduo e como espécie). A construção do nosso mundo e para onde vamos é nossa responsabilidade. Acho que não pode haver maior riqueza em uma vida do que essa liberdade.

Resolvi transcrever aqui as palavras do irmão da Eliane porque elas são tudo o que eu penso ser enriquecedor nesse ‘desamparo’ da vida de um ateu. Se considerarmos que a responsabilidade pela nossa felicidade esta em nossas próprias mãos, só basta a nós mesmos escolher o caminho a seguir. É dessa forma que explico aos meus queridos ser, o desamparo do controle de algo maior, uma libertação enriquecedora, porque por mais difícil e complicada que seja a situação na qual eu me encontrar, será escolha minha decidir o que fazer a partir dali, e esta é a maior felicidade que existe. Escolher é fazer a vida a cada dia.


ps: e só para finalizar, não podia deixar de ‘cantar’ meu hino de amor ao Rio de Janeiro: a livraria da Travessa é uma graça e, mesmo a noite, caminhar por Ipanema, com esse clima ameno do inverno carioca, traz prazer e inspiração que podem durar semanas. “Quero a vida sempre assim... ao encontrar você eu conheci o que é felicidade meu amor..”






sexta-feira, 12 de julho de 2013

A burocracia para a importação de material científico

Com o fim bem sucedido do financiamento colaborativo para o sequenciamento do genoma de L. fortunei, só nos resta comemorar e trabalhar! Como já explicamos antes, a montagem de um genoma leva uma quantidade considerável de tempo, e por isso as recompensas que prometemos _ o nome nos genes e proteínas descritos para esse genoma _ vão chegar tardiamente, ao final do projeto.  Mas isso não significa que você não possa ficar sabendo do que anda rolando aqui pelo nosso lab!

Para conhecer o projeto: www.catarse.me/genoma

Um dos destinos do dinheiro que arrecadamos de você através do Catarse, é a compra dos kits e reagentes para sequenciar as bilhões de letrinhas A, C, G e T que constituem o genoma do mexilhão dourado. O método de sequenciamento que utilizaremos é moderno, de alta tecnologia, e embora tenhamos essas máquinas no Brasil, os químicos utilizados com elas não são produzidos aqui, e por isso precisamos importá-los. E aí começa o drama:
químicos
- Você sabia que, além de não produzir essa tecnologia de ponta aqui no Brasil, a importação de material científico leva o dobro ou o triplo do tempo (entre 60-90 dias) para chegar aqui do que em outros países que também importam?
É isso mesmo! Tal situação ocorre porque os produtos destinados à ciência são submetidos às mesmas leis que outros tipos de materiais importados. O resultado final é o caos: as altas taxas da Receita Federal, somado a fiscalização lenta e inexperiente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atrasam demasiadamente a entrega de tais materiais aos laboratórios. Isso implica na perda de competitividade da ciência brasileira ao produzir inovação: o acesso muito mais facilitado aos materiais por cientista de outros países lhes confere uma grande vantagem nas pesquisas.
Mas o pior não é isso! Se o material chega, já ficamos felizes! Porque as estatísticas não mentem: um levantamento realizado pelo Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ com 165 cientistas, apontou que 76% deles já tiveram material apreendido na alfândega. Nesse processo burocrático, os reagentes perdem a validade e estragam, e muitas vezes nunca são liberados. Ainda, 99% dos entrevistados já desistiram ou desviaram os rumos de suas pesquisas em virtude das dificuldades criadas pela burocracia.
Se o Brasil é de fato o ‘país do futuro’, e quer ter competitividade internacional também nos setores de desenvolvimento de ciência e tecnologia, está mais do que na hora de mudar essa situação! E o deputado federal Romário de Souza Faria concorda com isso: sabendo da atuação do deputado na área das doenças raras, pesquisadores se mobilizaram e procuraram pelo parlamentar, que elaborou o Projeto de Lei 44111/2012. O PL visa alterar a lei 8.101/1990, para eliminar as dificuldades que os pesquisadores enfrentam no processo: um cadastro nacional de instituições e profissionais autorizados a importar materiais científicos seriam retirados sem burocracia e de forma isenta de cobranças pela Receita Federal e pela Anvisa.
Nas palavras da redação da revista Galileu: “é uma ideia até certo ponto óbvia. O mínimo que um país faz é não atrapalhar pessoas que dedicam sua vida ao conhecimento”.
O PL foi bem aceito até agora, mas enfrenta a burocracia do sistema político brasileiro: se encontrar parecer favorável da Comissão de Seguridade Social e Família, ainda terá que passar pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, pela Comissão de Finanças e Tributações e, finalmente, pela Comissão de Constituição e Justiça.
Uma outra solução para facilitar o processo de importação de material científico já foi apresentada anteriormente e se chama CNPq Expresso. Ambos preveem a rapidez na liberação dos materiais, no entanto, a PL prevê a isenção dos impostos, além de ser um projeto de lei, que propõe mudar a legislação federal. O CNPq Expresso é apenas um ato normativo.
Estamos na torcida pela aprovação da PL! E se você quiser ver o genoma do mexilhão dourado sair rapidinho, deveria ficar de olho também!

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Ceticismo.net

O André do blog ceticismo.net, depois de ler o post que saiu no Meio Bit sobre o projeto do genoma do mexilhão dourado, resolveu fazer uma micro-entrevista com a blogueira! O conjunto de perguntas dele foi um dos que mais gostei de responder nos últimos tempos..

Para quem quiser conferir, segue o link: http://ceticismo.net/2013/07/08/grandes-nomes-da-ciencia-marcela-uliano/

Boa semana, pessoal!!

sábado, 22 de junho de 2013

E depois do fim do Crowdfunding...

Desde o final bem sucedido do Crowdfunding para sequenciar o genoma do mexilhão dourado, a blogueira não teve tempo de parar aqui e escrever alguma coisa.

Além do dinheiro arrecadado que vai nos ajudar muito a concluir esse projeto, esta iniciativa nos trouxe muitas outras inestimáveis alegrias.

O professor Mauro escreveu um texto muito bom sobre tudo isso no blog dele, e recomendo a leitura. Pois muito do que eu gostaria de escrever aqui, já foi impresso nas palavras dele. É este aqui: http://scienceblogs.com.br/vqeb/2013/06/ativismo-cientifico/

Para mim _ que idealizei criar este blog a fim de dividir com todo mundo a felicidade que sinto por viver nesse mundo científico, tentando explicar de uma forma simples alguns tópicos científicos bastante relevantes do nosso tempo _ a felicidade extrema de saber que hoje em dia muitos brasileiros entendem meu projeto de doutorado, consideram a importância e o apoiam é algo realmente encantador! Não tenho como não ficar emocionada!

Em meio aos protestos e manifestações que estão rolando pelo Brasil, gostaria de fazer minhas às palavras do professor Mauro, " ...em tempos de protesto daqui e de lá. Eu, que não sei de que sair na rua vai adiantar, encontrei a minha maneiro de mostrar, que tem outro jeito de fazer a coisa mudar...".

Nos próximos meses além de posts emocionados, você vai poder ler sobre o andamento científico do projeto. Fique atento! Continuo contando com o seu entusiamo para juntá-lo com o meu e, então, concluir esse projeto com êxito!

Obrigada mais uma vez, Crowd!

Para entender o projeto: www.catarse.me/genoma

Foto tirada no dia da minha defesa de mestrado, quando sequenciei e montei a primeira parte do genoma do mexilhão dourado: os seus genes expressos, chamado de transcriptoma. Meu co-orientador, prof Chico Prós na minha direita, e o orientador Mauro Rebelo na esquerda. Time de primeira!



terça-feira, 4 de junho de 2013

Crowdfunding do Mexilhão Dourado na Reta Final!!



Pessoal, aí vai o último apelo da blogueira! Meu projeto de doutorado está no site Catarse como uma forma alternativa de obtermos financiamento para executá-lo! Assista o vídeo final e vá até a nossa página (www.catarse.me/genoma). A hora para apoiar é AGORA!

Contamos com você!


quinta-feira, 18 de abril de 2013

Qualquer semelhança não é mera coincidência!

Pessoal, hoje venho apresentar pra vocês, pessoalmente e em forma de cartoon, um projeto que tem trazido grandes alegrias para o nosso Laboratório de Biologia Molecular Ambiental, aqui na UFRJ! É o meu projeto de doutorado, o sequenciamento do genoma do mexilhão dourado, que está no site Catarse para um financiamento colaborativo!




Dê uma olhada no vídeo do site! Só leva 4 minutinhos! http://catarse.me/pt/genoma





A ideia deste Crowdfunding (que significa 'financiamento colaborativo') surgiu há mais ou menos 4 meses: no nosso lab sempre discutimos formas de popularizar a ciência! Formas de mostra a você, que não é cientista, o quanto nossos estudos são legais e IMPORTANTES!

É corriqueiro observar o paradoxo da sociedade atual: todos os aparelhos e  objetos que você usa diariamente (seu celular, pílula anticoncepcional, carro, chuveiro elétrico, computadores, Ipads, Itudo, embalagens ecologicamente corretas..) são produtos científicos!! Mas, ao mesmo tempo, passamos a vida achando que o cientista é aquele que fica lááá na Universidade longe da gente...

Foi para explicar o que fazemos e permitir a você fazer ciência conosco que lançamos esse Crowdfunding!! Se você fizer uma doação em dinheiro para esse projeto a partir de R$20, vai estar participando DIRETAMENTE dos estudos do combate a invasão do mexilhão dourado, que está beirando águas amazônicas (acesse o site para detalhes http://catarse.me/pt/genoma!! E pode escrever pra mim se tiver alguma dúvida! marcela.uliano@biof.ufrj.br). 

Sinceramente, a oportunidade de participar de um Crowdfunding científico é quase como votar: você PODE escolher participar ativamente desta nossa proposta a favor da biodiversidade amazônica!

MUITAS pessoas já se envolveram nesse projeto e estão colaborando conosco! Nos últimos dias alguns cientistas da computação se voluntariaram para nos ajudar com os desafios computacionais que vamos enfrentar quando estivermos montando o genoma... isso não é demais?? Você também não quer fazer parte deste estudo conosco?? Contribua no site!!

Se você já leu argumentos suficientes para colaborar conosco, você pode parar de ler esse post agora e entrar no site para se cadastrar! Mas eu queria, para finalizar, responder uma última questão que surge recorrentemente entre os colaboradores, e que pode ser também a sua!

SE ESSE PROJETO É TÃO IMPORTANTE, POR QUE O GOVERNO FEDERAL NÃO FINANCIA?

Resposta: Ele faz isso!!! Por exemplo, durante meu mestrado, fomos contemplados com o edital Universal do CNPq para sequenciar o transcriptoma do mexilhão dourado! A grande questão é que sequenciar um genoma inteiro custa muito dinheiro! Alééém disso, como pensamos que a preservação da biodiversidade amazônica é de interesse de todos os brasileiros (e seres humanos do mundo todo!), pensamos que você também deveria ter a oportunidade de participar ativamente deste trabalho!!

Quando qualquer outra dúvida surgir, escreva pra gente! Estaremos empolgados e felizes esperando para te responder!! E não esqueça de divulgar o projeto no seu facebook e por e-mail para seus amigos! Os cientistas do Lab BioMA, e a biodiversidade aquática brasileira, agradecem! ;-) 




segunda-feira, 8 de abril de 2013

Estude filosofia!

Este blog tem, essencialmente, o intuito de fazer divulgação científica. De pegar toda aquela informação pesada anunciada por especialistas das diversas áreas, principalmente das biológicas, digeri-la e apresentá-la a você que não é cientista - e que não tem a obrigação de conhecer todos os termos e métodos - mas se interessa! No entanto, como a blogueira aqui acredita ser a ciência, mais do que um corpo de conhecimento, um modo de pensar a vida, vez ou outra os textos vêm carregados de opiniões políticas e filosóficas!

Hoje não tenho a intenção de escrever muita coisa. Estou na correria terminando de escrever um artigo interessante sobre o mexilhão dourado! (Postarei os resultados aqui quando ele estiver prontinho!) Só queria compartilhar um lindo poema de Afonso Romano de Sant'anna que reli hoje, e, se eu tiver esse direito, incentivar as pessoas a estudar um pouquinho filosofia! 

Você sabia que a origem do pensamento ocidental, as regras básicas que regem nossa sociedade atual, começaram a ser construídas na Grécia antiga? Primeiramente elas eram passadas de boca em boca, pelos homens, através dos cantos. Depois vieram as histórias, tragédias e epopéias, que começaram, então, a serem fixadas (escritas em pergaminhos). Quando você usa a expressão "tive uma briga homérica" está se referindo ao escritor de Ilíada e Odisseia, Homero! Usamos essa expressão porque Homero era o rei dos grandes dramalhões gregos! 

Diversos filósofos gregos tentaram, nas diversas épocas, explicar o mundo que os cercava, sempre de acordo com o conhecimento que eles possuíam no momento: os atomistas, Platão, Aristóteles e etc... Estudar filosofia é legal porque a gente passa a entender que todos os comportamentos da nossa sociedade tiveram origem em algum lugar: em algum momento um certo homem, tão imperfeito como eu e você, tentou explicar como funcionava a vida, a sociedade, a existência de deus e criou algum conceito. Depois de um tempo, veio e outro e falou "dã, nada a ver isso! Agora a gente pensa assim assado.." (Claro! As coisas não aconteceram necessariamente nesta mesma ordem, não sem um influenciar o outro, não de uma hora para a outra.. BUT, simplificadamente, podemos colocar dessa forma!)

O que a história da filosofia nos mostra, então? Que devemos ser mais humildes. Principalmente no que diz respeito ao que consideramos certo ou errado para nós, e para as pessoas que nos cercam! Na Grécia antiga, por exemplo, as mulheres não podiam votar, nem opinar e nem eram o principal objeto de desejo dos homens! Eles preferiam se relacionar com outros homens!

O estudo da filosofia é um caminho sem volta, sem retorno. Não é possível voltar e fechar a cabeça, depois que você a abriu para outros mundos!Como disse minha amiga Júlia Back no texto de abertura do seu blog (este aqui): "... a superfície (de todas as coisas) é um tédio. O valor de cada informação se multiplica progressivamente quando você se aprofunda nelas. Eu acredito nisso. As coisas obviamente são mais gostosas quando é você mesmo quem mastiga".

Estude filosofia! Se você realmente não tem base alguma, o livro 'O mundo de Sofia' vai te ajudar! Fica a dica! 

Eis o poema de Sant'Anna! 

“ Como voltar? Depois de Itaca, das sereias, dos ciclopes, de tanto assombro, de tanto sangue na espada 
Como voltar? Se aquele que partiu, partiu-se e voltará com os fragmentos do excesso?
Não há retorno. Há outra viagem diariamente urdida dentro da viagem antiga.
Embora o caminho da volta seja percorrido, ninguém retorna.
Apenas volta a viajar no espaço anterior estranhamente familiar.
Como se o regresso fosse acréscimo e o viajante descobrisse que é atrás que está a fonte e na alvorada o horizonte.
Não há retorno. Há o contorno do próprio eixo, o tempestuoso périplo do ego, um diálogo de ecos como quem tenta encaixar diferentes rostos no mesmo espelho.
Por isto, o retorno inelutável é perigoso, exige mais perícia que na partida. Mais destreza que nos conflitos pois o risco é naufragar exatamente quando chegar ao porto.”

Affonso Romano de Sant’anna




terça-feira, 2 de abril de 2013

Um encontro com o mexilhão dourado!


Neste final de semana deixei o Rio de Janeiro e fui dar um passeio em Porto Alegre. Eu estava à procura do mexilhão dourado, Limnoperna fortunei, organismo objeto de minha pesquisa de doutorado.  Lá no sul, não foi difícil encontrá-lo!




Durante minha busca conheci o senhor França, por coincidência, um catarinense criciumense mas que vive há anos no Rio Grande do Sul e trabalha como pescador no delta do Rio Jacuí. Além da ajuda inestimável durante a coleta, o simpático França me contou dos problemas que o mexilhão dourado causa para os pescadores da região: é incrustação danificando barcos e materiais de pesca o ano todo! E o seu França está certo: estimativas afirmam que os gastos anuais devido aos danos causados no sul do Brasil unicamente por causa deste bivalve podem chegar a R$1 milhão! 

Meu projeto de doutorado, que desenvolvo no Laboratório de Biologia Molecular Ambiental (BioMA) do Instituto de Biofísica (IBFFC) da UFRJ, envolve o sequenciamento do genoma deste mexilhão. Você nunca ouviu falar dele? Há um outro texto deste blog, este aqui, que conta um pouquinho mais da história deste bivalve invasor.

A ideia é entender, a partir da montagem do genoma, quais características adaptativas facilitam o sucesso desta espécie como uma invasora tão eficiente!

O mexilhão dourado é chamado de “engenheiro de ecossistemas”, pois ele transforma os novos locais onde é introduzido, via de regra causando uma homogeneização do local, ou diminuição da biodiversidade. E nós não queremos isso, né? Nós achamos que quanto mais diverso e diferente melhor, certo?

Este mexilhão ainda não está presente em águas amazônicas, e meu projeto de doutorado faz parte de uma iniciativa maior para não deixar que ele chegue até lá! Nos próximos dias, você vai saber, através deste blog, de qual maneira poderá nos ajudar nesta empreitada pela manutenção da biodiversidade amazônica! Fique de olho! 







quarta-feira, 20 de março de 2013

Carl Sagan e o ceticismo 'mágico'!


É interessante como as redes sociais podem unir as pessoas com interesses comuns: após comentar hoje em uma postagem no Facebook de um amigo que acreditava ser ao acaso estarmos todos aqui nesse mundo, acabei conhecendo outro cientista, esse social, que concordou com a minha colocação e me fez a seguinte indagação: “você gosta de Carl Sagan? O Sagan mudou a minha vida!”.

Sempre que escuto essa frase fico emocionada. O mesmo aconteceu comigo: ler os livros do Sagan também mudou a minha vida!

Carl Sagan foi um astro-físico estadunidense (1934-1996) que além de ser exímio cientista, era um divulgador científico encantador! Com a sua forma dócil, não arrogante e simples de explicar, Sagan conseguiu levar o pensamento cético e científico para muitos lares. 



Hoje, li dois textos do Science blogs que me fizeram relembrar a urgência que temos em ter bons cientistas divulgadores: o primeiro deles foi este aqui, publicado no RNAm e intitulado 'Como um doutor em biologia pode ser anti-Darwin?', mostrando o absurdo de como 1 entre 2 estadunidenses não acreditam na evolução das espécies e o quanto isso está relacionado com as informações desencontradas divulgadas pela mídia, além das convicções religiosas. Nas palavras da autora: 

“...Para Chris Mooney e Matthew Nisbet, a polêmica tem raízes religiosas mas grande parte da culpa é da mídia. Eles afirmam em um artigo intitulado “Undoing Darwin” (ou “Desfazendo Darwin”) que quando a evolução sai do campo científico e entra no campo político e jurídico, ela deixa de ser coberta por jornalistas com conhecimento científico para navegar entre páginas sobre política e opinião, e também nos jornais televisivos. Todos esses contextos, cada um ao seu modo, tendem a retirar a ênfase na forte evidência científica em favor da evolução para dar credibilidade à ideia de que há uma crescente controvérsia sobre a ciência evolutiva, e assim a mídia está cumprindo o seu papel e cobrindo “os dois lados” do tópico. Eles afirmam categoricamente que esta prática “pode ser politicamente conveniente, mas é falsa”...


... Algo semelhante acontece com o caso das mudanças climáticas e aquecimento global. Ao tentar veicular ambos os lados do debate de maneira “imparcial”, a mídia retrata de maneira bastante desproporcional a opinião partilhada pela maioria dos cientistas quando dedica o mesmo tempo no ar (ou o mesmo espaço na mídia impressa) para os céticos. Dá nisso, o público fica confuso e a ignorância se espalha feito fogo no milharal...” 

O mesmo tema é discutido por Mauro Rebelo, no seu blog Você que é biólogo (Vqeb) no texto ‘Aproximando os cientistas da sociedade’ onde ele disserta sobre como somos a sociedade humana mais dependente da tecnologia de todos os tempos, mas como, mais do que nunca, não conseguimos dialogar com a ciência. 


“...E assim criamos um paradoxo: as pessoas nunca usaram tanto a ciência (e a tecnologia), nunca foram tão dependentes da ciência e, ao mesmo tempo, nunca estiveram tão distantes dela. É como se os computadores, os tecidos, as viagens, os remédios, as comidas, os livros… como se tudo isso viesse de algo que não foi, em um passado recente, uma ideia de um pesquisador em um laboratório... “ 

Mas não é por falta de interesse que as pessoas deixam de se inteirar sobre o tema:

 “... A última pesquisa de opinião encomendada pelo MCT em 2010 mostra que 65% da população brasileira tem interesse pela ciência (mais que pela política, mas ainda menos que pelo esporte) e que a internet já é a principal fonte de acesso a notícias para jovens e adultos até 30 anos. Só que um alto percentual (40%) da população que não se interessa por ciência, explica que simplesmente não consegue entender do que se trata. ...” 

O que está faltando? Muita coisa, e este texto do Vqeb discute bastante as várias razões. Dentre elas, uma questão relevante é: está faltando divulgação científica bem feita! E isso Sagan sabia fazer muito bem!! Você gosta de ciência? Leia “O Mundo Assombrado pelo demônios”! Você vai entrar numa viagem intergaláctica sensacional! E sabe o que é melhor? Não vai ser ficção científica! Porque, como nas palavras de Sagan, “não é possível voarmos de avião e ao mesmo tempo termos certeza que os sagitarianos são gregários e afáveis”.

Sou apaixonada por ciência e ceticismo há alguns anos. Esta paixão mudou minha visão sobre a vida. Minha visão de mundo. O ceticismo te desampara daquela certeza cômoda de que existe alguém guiando todos os seus passos. Mas ao mesmo tempo, coloca nas suas próprias mãos (ou nos seus próprios pés) a responsabilidade pelo caminhar. E pela direção. Não tome isso como desamparo: tome isso como liberdade!










quinta-feira, 7 de março de 2013

Mais do que uma estátua

"... eu sou feliz e rodo pelo mundo.
Sou correria mas também sou vagabundo.
Mas hoje dou valor de verdade: pra minha saúde,
 pra minha liberdade.." (Chorão)

Será?

Ontem morreu Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr, aos 42 anos de idade, aparentemente devido ao abuso de drogas e remédios tranquilizantes controlados. Como a imprensa oficial adora se beneficiar de tragédias para desvirtuar a atenção de assuntos mais relevantes, muitas reportagens saíram comentando a vida do músico, sua obra, seu legado.

Meu tempo de ouvir CBJr já passou há muito tempo, mas entendo que este seja o momento de se falar sobre o que foi a vida dele: os fãs querem ouvir, querem fazer uma retrospectiva da história do cantor, querem prestar homenagens. Li até mesmo que um músico, amigo de Chorão, sugeriu construir uma estátua em sua homenagem na cidade de Santos, por conta dos projetos sociais que o cantor mantinha lá, a maior parte deles ligado ao incentivo à prática do skate. Tudo bem. Faz parte. Ele se foi, que se prestem as homenagens! Mas há algo nessa história toda que não está sendo dito, e que deixa essa blogueira preocupada:

Também no ano retrasado morreu precocemente, aos 27 anos, a cantora Amy Wine House. Com um futuro brilhante pela frente, a música perdeu uma roqueira espetacular também para o abuso de drogas e remédios controlados. As reportagens que se sucederam a sua morte seguiram a mesma linha das reportagens póstumas a Chorão.

A partir desses dois exemplos, não fica claro e cristalino que a precocidade dessas duas mortes - e de muitas outras por aí, de pessoas não famosas – precisa ser discutida? Por que eles morreram assim tão jovens?

Melancholisches - de Heinrich Hoerle (1895 - 1936)


Em entrevista, o motorista de Chorão afirmou: “... ele não me parecia doente, não. Só gostava de não ser incomodado e dormia por longos períodos...“. Além disso, a separação do cantor de sua esposa está sendo tratada como uma das causas que levaram à tragédia ocorrida no dia de ontem.

Está na hora de aprendermos a identificar os sintomas decorrentes das doenças psíquicas. Apatia, tristeza e desânimo momentâneos fazem parte de vida e ninguém está imune e nem deve tentar evitar essas situações. Sofremos desapontamentos o tempo todo. ‘Encher a cara’ com os amigos, beijar outras bocas, ‘pagar um micão’ também são rituais de passagem saudáveis. Servem mais ou menos como o velório: o ser humano precisa de um ‘closure’, precisa entender que aquela etapa terminou, e é preciso partir para a próxima. E por isso, usa o ritual.

Mas devemos ter em mente que ninguém morre de amor. Quando certos sentimentos passam a dominar a vida da pessoa – ansiedade e medo exagerados, por exemplo – é muito provável que ela esteja doente. Doenças psiquiátricas caracterizam-se como doença tanto quanto qualquer outra doença física que conhecemos melhor, como câncer, úlcera e etc. E elas precisam ser tratadas clinicamente. Na maior parte dos casos, não é apenas a força de vontade que vai fazer a pessoa sair da fossa; ela tem uma deficiência bioquímica que precisa ser tratada com medicação! Muitas vezes só exercício físico, uma mudança de atitude e de alimentação já resolvem! Mas é preciso que se acompanhe o paciente de perto! 

Dessa forma, sono em excesso, falta de apetite, desânimo prolongado, abuso excessivo de tranquilizantes são sinais para os quais devemos ficar atentos! Várias doenças psiquiátricas – depressão, distúrbio psicótico, esquizofrenia – já foram caracterizados clinicamente, e a internet está cheia de informações para quem quiser se inteirar mais sobre elas (mas por favor, verifique a fonte da informação primeiro!).

Escrevo sobre isso hoje por ter ficado chateada de ver novamente mais um jovem morrendo tão precocemente. A vida é tão legal e cheia de alternativas! E tenho certeza que o músico inspirador deste post, ainda tinha muita vontade de viver, escrever mais músicas e zoar por aí. Ainda, não estou dizendo que o Chorão não foi avisado, ou que as pessoas próximas dele não tentaram ajudar. Com experiências pessoais intensas e dolorosas, tendo eu um paciente psiquiátrico com uma doença séria na família, afirmo que sei o quanto é difícil ajudar alguém nessa situação. Mas muitas dessas pessoas só precisam de um empurrãozinho amigo para ir em busca de uma vida melhor.

Adianta discutir isso agora que ele já morreu? Adianta. Mais do que construir estátuas, é necessário que se observe de perto em vida as pessoas que amamos e que convivem conosco. Quem sabe a partir disso, vai ser possível conseguir evitar que amanhã seja o seu amigo ou a sua namorada a morrer assim sem razão. Ou quem sabe a sua mãe.