Falar um pouco sobre biologia
molecular e genomas era algo que estava querendo fazer já há algum tempo. Porque sempre fico imaginando o que pessoas com ocupações diversas, que não a de
cientista biomolecular (como talvez você leitor), que tem seus muitos afazeres
diários e pouco tempo livre pra divagar, pensa sobre essa coisa toda de
genômica.
Há pouco mais de 10 anos, quando
os cientistas divulgaram o mapeamento completo do genoma humano, uma grande expectativa
se formou. Esparava-se que a partir de então, fossemos nos tornar capazes de
curar qualquer doença de origem genética, e que era somente uma questão de
tempo até que mapeássemos nossa origem e entendêssemos completamente nossa
história evolutiva.
Bem, 10 anos depois, ainda não fomos
capazes de alcançar todos esses feitos. Mas estamos progredindo! Continuamos tentando
dar ordem a todo esse quebra-cabeças gigante que é o estudo dos genomas, e ao
mesmo tempo em que a cada dia conseguimos juntar e dar sentido às algumas peças
do canto, há ainda muita peça pra se pôr no lugar.
Meu projeto de mestrado, que estou
desenvolvendo nesse exato momento, também é uma tentativa de dar melhor ordem à
esse quebra-cabeça. Estou montando o transcriptoma (que representa um bom
pedaço do genoma, porém é um pouco menos complexo) de dois invertebrados
aquáticos. Mas pra que precisamos saber do genoma de invertebrados?
Apesar de para mim, o "saber por
saber" e o "entender por paixão", já serem motivos fascinantes o
suficiente, talvez pra você isso não baste. A grande questão é que eu posso ter
vários outros motivos (e realmente os tenho e quem sabe eles se tornarão tema
de um post desse blog no futuro?), mas há uma razão grandemente inspiradora: o
conhecimento do genoma de organismos menos
complexos (mas nem por isso
pouco complexos) com certeza nos ajuda a montar e entender nossa própria
história evolutiva!
Quando os cientistas terminaram seu
trabalho com o genoma humano, eles perceberam que seria necessário muito mais
do que pôr em sequencia aquelas quatro letrinhas A,C,T e G. Havia ali vários
padrões desconhecidos, e sem os quais não conseguiríamos chegar a conclusões
muito específicas sobre nossa biologia. E foi por isso que começamos a olhar
mais de perto para a genética de organismos mais simples, como o de bactérias e
leveduras (que tem sido modelos clássicos de estudo da biologia por décadas!).
Talvez estes possuíssem também padrões mais simples em meio a toda aquela
aleatoriedade de letrinhas, e nos dariam dicas sobre nossos próprios padrões. E
isso se mostrou certo!
Atualmente, os sequenciadores de nova
geração baratearam muito a prática do sequencimento de genomas. Desta forma,
hoje em dia é possível sequenciar também o genoma de organismos que não são
famosos modelos de estudo, como os meus invertebrados aquáticos, mas que são
tão interessantes quanto! É importante entender que quanto mais genomas sequenciados
e estudados de espécies que estão entre as bactérias e o homem na linhagem
evolutiva, mais fácil se tornará entendermos nossa estrutura molecular e o
quanto ela interfere em quem realmente somos. É como num desenho de um rosto
que se faz em etapas: se você simplesmente desenhar um circulo, poderá concluir
que aquele desenho é muita coisa. Um sol, uma bola de futebol. Mas se, aos
poucos, você incluir círculos menores formando os olhos, um rabisco no centro,
indicando o nariz e incluir por fim uma linha arredondada formando um sorriso,
você estará cada dia mais próximo de entender que aquele é realmente o desenho
de um rosto.
Não sabemos ainda o que podemos encontra
no próximo monte de letrinhas que extraírmos de uma dessas maravilhosas
máquinas de sequenciar, mas posso garantir pra você que estou doida para dar
uma olhada.