Até que ponto o homem está fadado a ser produto de sua época?
Essa é ou não é uma das perguntas mais relevantes da contemporaneidade?
Via de regra, quando observo o comportamento das pessoas em um mundo onde a
informação está cada dia mais acessível, noto que mesmo assim, a maior parte delas
(ou de nós) se comporta de acordo com valores e preceitos apreendidos dos pais e familiares sem muito questionamento. Mas de onde tais regras e valores surgiram? Já parou pra
pensar nisso?
Bertrand Russel, em História do
Pensamento Ocidental (R$ 16,00 a versão Saraiva de Bolso) levanta a questão que
abre esse texto quando conta a história de Boécio, “notável pensador, de quem vida e obra apresentam agudo contraste com a
decadência geral da civilização da época”.
A tal época a qual Russel se refere é a Idade Média, período em que a
filosofia estava confinada aos clérigos, onde o pensamento da Antiguidade, dos
filósofos gregos, havia momentaneamente desaparecido do meio dos homens comuns.
A Boécio são conferidas as mais antigas traduções latinas dos escritos
de Aristóteles. Sua principal obra filosófica chama-se Consolação da filosofia, que apresenta visões de deus e do pecado nem
um pouco ortodoxas e muito livres da teologia cristã. Os
pensamentos de Boécio em Consolação remontam
muito a Sócrates e Platão. *
*A filosofia socrática é baseada toda no desinteresse pelos bens
terrenos; o seu maior interesse é na busca da virtude. O importante
precisamente é que devemos tentar a busca do conhecimento, e embora Sócrates sempre
afirmasse que nada sabia, não achava que a busca do conhecimento estava fora do
alcance dos homens. Sócrates sustentava que o que fazia um homem pecar era a
falta de conhecimento. Se soubesse, não pecaria. A causa dominante do mau era,
portanto, a ignorância. Assim, para se alcançar o bem é preciso ter
conhecimento. Logo, o Bem é conhecimento. Os pensamentos de Boécio, escritos
durante a Idade Média, seguem uma linha parecida.
Boécio sustentava tais convicções em uma era onde os tratados filosóficos da
Antiguidade grega estavam quase perdidos e a superstição e misticismo religiosos
dominavam as pessoas a tal ponto que só restava a pena de morte como herege para
quem não partilhasse dos ideais cristãos.
E num mundo cheio de dificuldades para o livre-pensar, Boécio recusou-se a ser um
completo produto de sua época.
Resta a pergunta: e nós, somos Boécios? Ou alguma outra coisa?
Com essa questão, não estou querendo descredibilizar as convicções e
os valores de cada um. Mas gostaria de chamar para a reflexão. Por exemplo: você
já parou pra pensar de onde vem a sua noção de o que represente uma família? E
as suas condutas de vida: casar ou não, ter filhos ou não, um trabalho estável
ou sair pelo mundo viajando. Já pensou sobre elas? De onde a organização social
na qual vivemos surgiu? E mais, será esta a única forma de organização social possível?
O que você quer é realmente o seu desejo? O que você acredita foi o que você
tomou como verdade pra si depois de observar várias verdades diferentes? Ou é
apenas o que a maioria têm como verdade?
Indago isso porque as vezes considero que, mesmo num mundo cheio de
informação e liberdade, as pessoas ainda são cheias de superstições e
preconceitos (como ser humano que aprende, também não me excluo dessa história).
Na verdade, de repente é o excesso de informação o problemático: tem tanta
coisa pra se ler e aprender que ninguém mais sabe por onde começar!
Mas por algum lugar devemos iniciar essa jornada! A disponibilidade de
informação livre e acessível (na internet, por exemplo) é uma riqueza sem
precedentes. E estar vivo nesse momento também é! Sócrates dizia que uma vida não
analisada não valia a pena ser vivida. Tendo a concordar 100% com ele nessa
afirmação. E como escreveu minha melhor amiga há algum tempo "a superfície (de todas as coisas) é um tédio. O valor de cada informação se multiplica progressivamente quando você se aprofunda nelas. Eu acredito nisso. As coisas obviamente são mais gostosas quando é você mesmo quem mastiga".
Acho que vale a pena você dar ouvidos àquela pulga que está atrás da sua
orelha, nem que seja pra se maravilhar e dar risadas por alguns minutos com
realidades nunca antes imaginadas e investigadas.