Acabo de voltar do lançamento do
livro A menina quebrada de Eliane
Brum, jornalista gaúcha que escreve as segundas-feiras para o site da revista
Época. Gosto muito dos textos da Eliane porque eles contextualizam, trazendo a
vertente política (algo que considero importantíssimo), para os diversos
tópicos da vida cotidiana. De certa forma, isso é algo que tento fazer também aqui
nesse blog (com muito menos competência e mais modestamente que ela, é claro).
Enquanto esperava pela sessão de
dedicatórias, me sentei na agradável livraria da Travessa de Ipanema para
saborear um cappuccino e as deliciosas palavras de Eliane no livro que acabara
de comprar. A menina quebrada é a
compilação de umas tantas colunas de Eliane publicada na Época online, e entre
elas encontra-se o texto intitulado Vida
de clichê. Dentre a meia dúzia de colunas que li hoje a noite, esta foi uma
delas, e me motivou a escrever esse pequeno post.
Nessa busca diária por escrever
minha própria história – que acabou me trazendo para o Rio de Janeiro para o
mestrado e agora o doutorado – uma de minhas maiores revelações pessoais foi a aceitação de um pensamento racionalista, ateísta e existencialista
como norteador moral da minha vida. Minha modesta tentativa (diária e incessante)
de fazer minha leitura pessoal sobre o mundo direcionou meu pensamento para esta
vertente que, de maneira nenhuma, como podem pensar os partidários de certas
religiões, desamparou minha vida de sentido. Muito pelo contrário, este novo 'norte moral' me motiva a cada dia.
Um dos maiores questionamentos
dos meus amigos e familiares ainda religiosos - que não possuem aquele
preconceito exacerbado de que os ateus são más pessoas ou que consideram o
sentido pejorativo que ainda é empregado para esta palavra – sobre essa mudança
de visão de mundo é justamente sobre o desamparo. Perguntam eles: “mas a falta
de uma crença em algo maior não esvazia sua vida de sentindo?”
E é por responder a esta pergunta
que volto à coluna da Eliane Brum. No texto Vida
de clichê, Eliane conta da carta que recebeu do irmão físico, alguns dias
após ela ter escrito sobre nosso ‘afastamento das estrelas’, dizia a carta:
“Somos um acidente evolutivo, ou
melhor, apenas um dos inúmeros (sub)produtos. A consciência não tem nada de
especial (a não ser para nós, é claro). Nossa posição temporal e geográfica no
universo é totalmente irrelevante. A contrapartida é que somos capazes de
perceber nossa existência (acredito que, em outros níveis, outros animais
complexos também conseguem). A partir daí, o mundo, tal qual percebemos, é TUDO
o que temos (e teremos!). Portanto, estamos no centro do NOSSO universo. E isso
coincide com as nossas adaptações evolutivas. Assim, nossa cosmologia é
encontrar um ponto de contato entre essas duas realidades: a externa, de total
irrelevância, e a interna, onde somos centrais (tanto que nosso universo
desaparece com a nossa morte). Por isso a religião (que resolve esse problema)
é – a meu ver – uma evolução natural da nossa cultura, consequência natural da
nossa evolução biológica (esse é o pensamento, mais ou menos entre outros, do
Daniel Dennett, em Breaking the spell).
Somos believers (crentes). O que eu acho mais interessante no ponto de
vista agnóstico (ou ateu) é que, diante dessas percepções, sabemos que somos
tudo o que temos (como indivíduo ou como espécie) e, portanto, temos a liberdade
e a responsabilidade de definirmos o que queremos ser (como indivíduo e como
espécie). A construção do nosso mundo e para onde vamos é nossa
responsabilidade. Acho que não pode haver maior riqueza em uma vida do que essa
liberdade.”
Resolvi transcrever aqui as
palavras do irmão da Eliane porque elas são tudo o que eu penso ser
enriquecedor nesse ‘desamparo’ da vida de um ateu. Se considerarmos que a
responsabilidade pela nossa felicidade esta em nossas próprias mãos, só basta a
nós mesmos escolher o caminho a seguir. É dessa forma que explico aos meus
queridos ser, o desamparo do controle de algo maior, uma libertação
enriquecedora, porque por mais difícil e complicada que seja a situação na qual
eu me encontrar, será escolha minha decidir o que fazer a partir dali, e esta é
a maior felicidade que existe. Escolher é fazer a vida a cada dia.
ps: e só para finalizar, não podia deixar de ‘cantar’
meu hino de amor ao Rio de Janeiro: a livraria da Travessa é uma graça e, mesmo
a noite, caminhar por Ipanema, com esse clima ameno do inverno carioca, traz
prazer e inspiração que podem durar semanas. “Quero a vida sempre assim... ao
encontrar você eu conheci o que é felicidade meu amor..”