Certo dia me deparei com um texto
de Affonso Romano de Sant’ Anna intitulado Certas
incertezas (que você pode encontrar aqui).
Ele chegou até mim através de um curso de Filosofia da Ciência, oferecido pelo
Instituto de Biofísica (IBCCF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, local
onde desenvolvo meu projeto de mestrado. Confesso que me fiz parte do corpo de
estudantes que frequenta tal curso muito mais por amor e apreço a literatura, a
filosofia e a abstração, do que por qualquer outro motivo. No entanto,
considero como prerrogativa básica que, na busca por desenvolver uma ciência
pouco enviesada e mais próxima da realidade, o cientista seja, antes de tudo,
um pensador. Dessa forma, julgo extremamente
positivo quando decidimos deixar, pelo menos por algum tempo, as bancadas de
nossos laboratórios a fim de pensarmos as questões do mundo a partir de uma
perspectiva filosófica.
Em seu texto, Sant’ Anna comenta
como a ciência do século XX se estabeleceu a partir de um novo paradigma, em
suas palavras, “o paradigma da incerteza,
do acaso, da probabilidade e da relatividade”.
Para este autor, essa nova forma de se pensar os fenômenos naturais, nos levou
a conclusão de que, na realidade, não existem verdades absolutas; tudo seria
aparência e interpretação, e estaríamos vivendo no “império do significante
vazio”.
Werner Heisenberg (1901 - 1976), físico alemão ganhador do Prêmio Nobel de Física. Postulou, em 1927, o Princípio da Incerteza afirmando ser impossível determinar, com precisão absoluta, a posição ou o momento (velocidade) de um elétron.
Gostaria de argumentar aqui,
brevemente, o porque discordo das conclusões de Sant’Anna dissertando sobre o
quanto, na verdade, penso que a admissão da incerteza presta um favor a
ciência.
A teoria da relatividade de
Albert Einstein, a descoberta da mecânica quântica e do Princípio da incerteza
de Heisenberg trouxeram ao pensamento do século XX a noção de que os fenômenos
naturais não são estáticos, previsíveis e unicamente governados por leis
universais. Entretanto, isso não significa dizer que, em virtude de tais
postulados, nada mais faça sentido. Heisenberg defendeu a impossibilidade
de se prever com precisão e simultaneamente a velocidade e a posição de um
elétron, mas fez isso baseando-se no método científico, que é racional e cartesiano.
Ao afirmar que os meios empregados
para medir o comportamento do elétron terminavam por influenciar seu
comportamento, Heisenberg não descredibilizou a experimentação científica
baseada no método, apenas valeu-se de um pressuposto básico e insubstituível
deste; o de que devemos sempre levar em consideração a margem de erro de nossas inferências.
Como muito bem abordado pelo astrofísico estadunidense Carl Sagan em seu livro O Mundo Assombrado pelos demônios, a margem de erro é uma auto-avaliação visível
e disseminada da confiabilidade de nosso conhecimento. E o sucesso da
ciência está justamente neste mecanismo embutido de correção de erros. O nosso
mecanismo de detecção da verdade, o método científico, deve ser refinado a cada
dia, a cada nova geração de cientistas. Somente dessa forma é que nos
aproximamos cada vez mais da verdade. E é justamente por isso, por a ciência se
basear em pressupostos testáveis e confiáveis e por levar em consideração a
probabilidade do erro, que foi possível a Heisenberg certificar a incerteza.
Uma vez que deparamo-nos com o fato de que os fenômenos naturais
estudados pela ciência nem sempre respeitam a racionalidade e as teorias
científicas, fica evidente, a meu ver, que uma visão aberta à novas idéias, combinada
com o mais rigoroso exame cético de todas elas, deve ser o pensamento
científico norteador do século XXI. O cientista que empregar tal forma de
pensar certamente contribuirá para uma ciência mais abrangente, a medida que
nos aproximamos cada vez mais da realidade.
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