terça-feira, 21 de março de 2017

Finalmente: um gene para chamar de seu! Batismos no genoma do mexilhão dourado!

Olá pessoal!!

Chegou o grande dia!! Vamos nomear os genes do genoma nuclear do mexilhão dourado!! Essas são as nossas recompensas da campanha do catarse www.catarse.me/genoma

A montagem do genoma do mexilhão dourado está pronta! Isso significa que nesse momento já conhecemos a sequência de 1,6 bilhão de letras A,C,T e G que codificam todos os genes que dão origem às linhagens celulares, tecidos e órgãos da espécie! Com isso, já podemos iniciar os estudos de engenharia genética; na tentativa de atingir alguns alvos moleculares específicos para conter a reprodução da espécie em áreas de invasão! A ideia é a mesma desenvolvida para o mosquito da dengue transgênico. Antes de qualquer tecnologia ser utilizada no ambiente, no entanto, extensivos testes em laboratório serão realizados para garantir a segurança da tecnologia. Esse trabalho leva meses e anos para acontecer, mas você vai ouvir sobre todas as etapas que estiverem acontecendo: vamos manter você informado!

A finalização da primeira etapa desse projeto – o sequenciamento completo do genoma do mexilhão dourado L. fortunei – é uma grande vitória que precisa ser comemorada: e vocês, crowd do Catarse, fazem parte disso!! MUITO OBRIGADA!

Eu, Marcela Uliano da Silva, fui a bioinformata responsável por organizar os pequenos fragmentos de DNA até a ordem correta correspondente ao genoma do mexilhão dourado. Já escrevi um pouco sobre como isso é feito aqui. Esse trabalho, que foi feito sob orientação do Prof. Dr. Mauro Rebelo e co-orientação do Prof. Francisco Prosdocimi, foi objeto da minha tese de doutorado, defendida no dia 22 de fevereiro de 2017! E por isso também preciso agradecer ao patrocínio de todos vocês: não só estamos trabalhando para livrar a Amazônia da ameaça do mexilhão dourado, mas também esse trabalho me garantiu o título de doutora! GRATIDÃO! MUITO OBRIGADA MAIS UMA VEZ!

Nesse momento, estou terminando de escrever o manuscrito científico - contendo a sequência do genoma nuclear do mexilhão dourado - que vai ser liberado para a comunidade científica internacional, e é nesse manuscrito que desejo agradecer a vocês, colocando os batismos dos genes que vocês escolherem! 



Nessa primeira foto vocês podem ver o Prof. Chico Prosdocimi, eu e o Prof. Mauro Rebelo em 2013, quando defendi meu mestrado e, quando decidimos sequenciar e montar o genoma completo do mexilhão dourado! - Foto no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, UFRJ.


4 anos depois.... Olha a gente de novo!! =) Deva vez na defesa do doutorado! 
O genoma do mexilhão dourado está pronto! E agora iremos batizar as proteínas 
com os nomes que vocês, colaboradores do nosso projeto no Catarse, 
escolherem para elas!! - Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, UFRJ. 


O esquema é o seguinte: TODOS OS COLABORADORES LISTADOS ABAIXO DEVEM ENVIAR OS SEUS BATISMOS PARA O E-MAIL: marcela.uliano@gmail.com

Você pode escolher qualquer nome! Se tiver dúvida, dá uma olha aqui e veja o nome que algumas pessoas já escolheram para batizar os genes no genoma mitocondrial do mexilhão dourado!


Os doadores que tiverem direito a uma ou mais ilustrações irão receber um e-mail meu com a ilustração personalizada! Mas todos os batismos estarão registrados nos agradecimentos do manuscrito científico, e cada um de vocês vai receber uma cópia desse manuscrito assim que ele estiver publicado!


Muito obrigada mais uma vez! E logo estaremos nos falando de novo! Você está fazendo a ciência brasileira caminhar: SINTA-SE ORGULHOSO!




Atenção, abaixo está a lista de todos os nossos colaboradores não-anônimos, e a recompensa à qual cada um tem direito! Vamos batizar os genes e proteínas até terça que vem, dia 28 de março?? Espero o e-mail de vocês!!!



1-) BATIZAR UMA PROTEÍNA:

- Rafael Tuma Guariento
- Karina Silveira
- Daniel Andrade Moreira
- FFeitosa
- Camila Mauro Borges
- Julia Back Comandolli
- Ingrid Etges Zandomeneco
- Lucas Rech de Oliveira
- Juliana Klein Zucco
- Vinicius Fernandes dos Santos
- Uilian Americo
- Helder da Rocha
- Heitor Dias Murbach
- Rodrigo Ligabue Braun
- Juliana Casagrande Fernandes
- Maysa Ito
- Caio Wagner Pereira Ferreira
- Cássio Batista Marcon
- Marcelo Pinheiro
- Jessica de Aguiar França
- Daniele Botaro
- William Jefferson Fontana da Costa
- Guilherme Machado Nunes
- Samuel Wanberg Lourenço Nery
- Rafael Oliveira Lopes
- Débora Andrade de Lima
- Renata Minerbo
- Vinicius Bassaneze
- Terravixta Studio
- Juliano Bortolozzo Solanho
- Mariano Rodrigues Aloi
- Guilherme de Andrade Palma
- Aurélio Carlos Marques de Moura
- Danilo Neves da Silva
- Vinícius de Medeiros Alves
- Marco Aurélio Ramos Möller
- Igor Drumond
- Eduardo Kawamoto Amaraes
- Pedro Hutsch Balboni
- Marcelo Vargas dos Santos
- Rodrigo Zanatta
- Júlia Andressa Kist
- Caroline Antonelli Santesso
- Andrea Raymundo Balle
- Julia Freitas
- Rafael Chaves
- Ricardo de Souza dos Reis
- Bruno Bottino Ferreira
- Sabrina Alves
- Adriana de Lima Barbosa
- Tiago Fassoni Alves dos Alencar Leite
- Marianne Kreusch
- Rafael dos Santos
- Lucas Junior Teodoro
- Patricia Dupre Moreira Ferraz
- Ana Carolina Pizzochero da Costa
- Jaqueline Dupre Moreira Ferraz
- Ayla Sant'Ana da Silva
- Felipe Caruso
- Larissa Mattos Feijó
- Cássia Rodrigues da Silveira
- Juliano de Miranda
- Leticia Aparecida Z Costa
- Davi Perin Adorna
- André Gomes Julião
- Luiz Sauerbronn
- Iensen Nícolas
- Gustavo Gottschald de Freitas
- João Gabriel Doria
- Guilherme Lopasso Tosi
- Cecilia Fonseca Poggian
- Aline Marcele Ghilardi
- Mayra Silva Soares
- Tatiana Alves Americo
- Tulio Baars Meira
- Luiz Felipe Santana dos Santos
- Humberto Pereira Figueira
- Gabriela Benedet Ramos
- Lucas Machado Cosendey Brouck
- Marcos Chehab Maleson
- Diogo Neves da Costa
- Mariana Magalhaes Ferreira
- Marcelo Pinheiro
- Jackson Reis Ferreira da Silva
- Laura Santini Daros
- Francis Graeff de Oliveira
- Gabriel Moherdaui Vespucci
- Robson Ribeiro Sebastião
- Valeria Kneipp Sena
- Luciano Caletti
- Vivian Kahl 


2-) BATIZAR UM GENE ÓRFÃO + ILUSTRAÇÃO


Rodolfo Henrique de Saboia
Marcos Martins Tinoco
Andre E O P Lico
Aristides de Almeida Neto
André Campos Rodovalho
Leandro Léo Rebelo
Otavio de Andrade Cardoso
Juan Pedro Alves Lopes
Matheus Hobold Sovernigo
gustavo monnerat
Luiz Fonseca
Fabio Hecht
Jean Remy Davee Guimaraes
Ricardo Entz
Thiago de Castro Fialho
Thum Thompson
Thiago Estevam Parente
Orlando Hill
André Henares Campos Silva
Carolina Lage Goulart
Richard Hemmi Valente
Wendy Sauerbronn de Campos Valente
Samuel Gales Guimarães
Érico Gaiger Marshall
ana paula b. moreira
Eduardo Lam
Eduardo Sampaio
Janaína Barcelos Resende
Felipe Antunes do Nascimento e Silva
FLÁVIA RACHEL MOREIRA LAMARÃO
Kleber Lira de Carvalho
Alexandre de Mesquita Hartke
Lucas André de Abreu
Josafa Diniz Araujo Filho
Fabiano Marques
André Luiz Vasconcellos de Araújo
Victor Hugo Barboza
Elis Amaral Rosa
Gabriela Pacheco Corrêa
Márcio Pires Antonio
Diego Borin Reeberg
Alessandra Lehmen
Yanna Christina Koloniaris Barbosa
Mariana Martinhago Aguiar
Diego Remus
Milena Marcela Domingues Pereira
Francisco Prosdocimi
Frederico Queiroga do Amaral
Marcos César Schettini Soares
Julia Lima
Marcio Mazza
Aluisio Lucio da Rocha
Daniele Diniz Warken
Rosane Barbosa de Oliveira
Patricia Sanae Sujii
Karina Silveira
Jackson Reis Ferreira da Silva
Rafael Shoiti Ozaki
Rafael Mesquita Lacerda Madureira
Sabrina da Silva Santos
Magno Botelho Castelo Branco
Karina Silveira
Diego Borin Reeberg
Rodrigo de Oliveira Martins
Tiago Oliboni Rinaldi
Roberto Heidi Utima
Andrea Fiat Coutinho
Manoela Gomes Baptista
MARCOS KIMURA
Marcio Rodrigues Miranda
Mariana Souza da Silveira
Ricardo Alchini
André Rodrigues da Silva
eliane de souza figueiredo
Kelly Ribas Lobato
Anne Caroline Reis Leite
Gabriela Decker  Sardinha
Marcus Marcello Porto Leopoldino
Leonardo Eloi
Eduardo Elael
Rodrigo Augusto da Silva
Rafael de Freitas Sampaio
guacyra do carmo pereira
Henrique Bittancourt Gouveia
Glauber Dutra Ramos
Denis Deratani Maua
Vitor Rocha Schietti Cruz
Rafael Mariante Meyer
Emilio Lanna
Olavo Bohrer Amaral
Débora Lanznaster
MARIANA WAGNER DA ROCHA
Raquel Stoltz Back
Radical Livre
Fernando Ariel Genta
Fabricio Docema de Oliveira
Luiza Amalia do Livramento Meireles
ADRIANO MONTEIRO DE CASTRO

3-) BATIZAR UMA ENZIMA CATALÍTICA + ILISTRAÇÃO

João Batista de Mello
Marcelo Simões Rezende
Emanuel Barbosa de Castro e Moura
Luiz Fernando Nicolai Weinmann
Leila Costa Vecchio
Gracielle Vendruscolo Braga
THIAGO CRUZ NEGREIROS
Rafael Trevisan
Daniel Adesse Pedra Martins
Rafael Dourado
Daniela Stramandinoli Matheus Peres
Francisney Pinto do Nascimento
Caio Bustani Andrade
Diego Pinheiro Sergio
Marília Lima Lodetti
PEDRO CAMILO MAISTRO
David Majerowicz
Mauricio Homem de Mello
Fernando Denardi Cibulski
Márcia Miyuki Hoshina
Jonatha Chrys Ballet das Neves
André Luiz Alves de Sá
Henrique Cesar Lemos Jucá
Eleonora Kurtenbach
Heloísa Anachoreta Molleri
Sergio Luis Silva Silvestre
Tiago Cruz Alexandre
Renato Pinheiro Freme Lopes Lucindo
Giovana Girardi
Anna Beatriz Robottom Ferreira
Anna Lucia Ferreira Schubert
Christian Robottom Reis
Gustavo Seichi Inouye Shintate
Claudia Augusta de Moraes Russo
Cynthia Chester Cardoso
Debora Theodoro Amancio da Silav
Flávia A. Ventura
Jeamylle Nilin
Bianca Lucchesi Targhetta
Silvio Kozasa
Rogerio magalhaes pastore
Julia Crespo Viegas
Gabriel Correa Pereira
Carlos Eduardo Lessa Pissuto
Daniela Stramandinoli Matheus Peres
Daniela Stramandinoli Matheus Peres
Thiago Augusto Pimenta Viana
Diego Perin Adorna
Maria Gonzalez Rey
PAULO BANDEIRA
Marcos Eugênio Maes
Marcela Bergo Davanso
IGOR RECHETNICOW
Diogo Biazus

4-) BATIZAR UMA VIA METABÓLICA + ILUSTRAÇÃO. Vocês podem escolher o nome da Via Metabólica completa e mais uns 10 nomes de enzimas específicas!! (OBS: vocês já podem ir pensando os nomes, mas esperem o meu e-mail com a especificação da via metabólica selecionada para cada um!!)

Adalberto R. Vieyra
TOMIO MAKIHARA
Alexandre Fernandes e Souza
Felipe Guimarães Marques
Ricardo Antônio Rubens Prado Schneider
Emanuel Barbosa de Castro e Moura
Turini Alberto
Marzia Terrizzano / IKZUS RICERCHE MARE E AMBIENTE
Red Bull Amaphiko
Gustavo do Amaral Martins






domingo, 24 de julho de 2016

Genoma do mexilhão dourado: ciência e primeiras recompensas!


Não há nada mais importante para dizer nesse post do que MUITO OBRIGADA!

Hoje venho aqui escrever sobre os primeiros resultados científicos de uma encantadora longa jornada; a jornada para sequenciar o genoma do mexilhão dourado!!

Nesse post aqui, de alguns meses atrás, comentei que o genoma mitocondrial do mexilhão dourado estava pronto e que iríamos homenagear os primeiros 37 colaboradores com o batismo dos genes!

(Não sabe o que é um genoma mitocondrial? Clique aqui!)

Pois bem, nós enviamos um e-mail a cada uma das 37 pessoas, e batizamos os genes com os nomes que elas escolheram! O nome dos homenageados está gravado para sempre na história da ciência do estudo dessa espécie: incluímos os batismos nos Agradecimentos do artigo científico que foi publicado!

O artigo está aqui! Infelizmente ele é pago. Mas tentem baixar sem custos através deste link aqui! Se não, nós podemos enviar uma cópia para qualquer pessoa que estiver interessada em lê-lo! É só escrever um e-mail pra gente!

Vale à pena comentar o quanto foi emocionante trocar e-mails com os nossos colaboradores! Muitos deles escolheram homenagear alguém ou algo que lhes era caro!
Houve homenagens:

1-) à família, ND5 Macaubasimões

2) à outros cientistas brasileiros: CYTB Santos Dumont,

3-) ao samba brasileiro: tRNA (Asn) samba-aspartato 

4-) à cachorrinha de estimação: tRNA (Asp) Ai Luana

5-) à neta recém-nascida: ND6 ELISPEdM ! O Luiz deseja que a neta se interesse pela ciência quando crescer! Lindo batismo!!

6-) ao personagem do Jules Verne em 20000 Léguas Submarinas: tRNA (Arg) Nemo

7-) aos nossos povos nativos: tRNA (Ser 2) Pirepanaçara  que do Dicionário Nheengatu Tupi significando: Aquele que faz trocas de mercadorias ou objetos.


8-) à divulgação científica brasileira: tRNA (Leu2) ScienceBlogsBR



 E tantas outras homenagens maravilhosas!




Confira abaixo todas as homenagens na seção de Agradecimentos do nosso artigo!





À todos vocês, que tem nos ajudado a desenvolver esse trabalho, o nosso MUITO OBRIGADA!

Os colaboradores que doaram mais do que R$100,00 vão levar ainda uma ilustração personalizada, como essa feita para homenagear a neta do João!!








GENOMA DO MEXILHÃO DOURADO: O QUE ACONTECE AGORA?


O primeiro consenso do genoma nuclear do mexilhão dourado, que possui 1,6 bilhão de letrinhas A, C, T, G já está pronto! Nesse momento, estamos vasculhando esse consenso à procura dos genes, os blocos codificadores da vida! Entender o código e o funcionamento desses genes vai nos permitir compreender melhor porque o mexilhão dourado é uma praga tão violenta! É nesse consenso também que procuraremos os alvos, que podem ser genes ou regiões não-codificantes, para testar ferramentas biotecnológicas de controle! 

Assim que a exploração pelos genes estiver completa, o que deve acontecer nos próximos meses, você vai ouvir falar de nós! Eu, Marcela, vou vir aqui contar para vocês o que nós achamos e entendemos sobre a biologia molecular do mexilhão, e batizaremos os tantos genes nucleares necessários para homenagearmos todos os nosso colaboradores!

O que eu posso dizer até agora para vocês é que o quebra-cabeça do genoma do mexilhão dourado foi muito complexo de montar! A mesma complexidade foi encontrada no genoma de outras espécies de bivalves que são parentes do mexilhão, como a ostra da pérola, e essa dificuldade exige que os cientistas que trabalham com essas espécies usem uma vasta gama de ferramentes e de técnicas de sequenciamento para conseguirem completar a montagem do consenso do genoma! E foi exatamente esse o caminho que eu percorri durante esses 3 anos de doutorado! 

Estamos muito orgulhosos desses trabalho tão desafiador e tão importante para a ciência brasileira! Não somente estamos entendendo melhor mais um genoma animal, que nos permite estudar os mecanismos moleculares da vida, como também estamos construindo o mapa que vai nos guiar no caminho contra a infestação do mexilhão dourado!!

Continuamos trabalhando... 

Amanhã é segunda feira! Amanhá é dia de mexilhão, e eu estou feliz.

Obrigada!


                                      Trabalhando no genoma do mexilhão dourado durante o doutorado sanduíche em 
                                Berlim no Berlin Center for Genomics in Biodiversity Research (BeGenDiv)


sexta-feira, 24 de junho de 2016

Breve comentário sobre as ações humanas

Isso aqui é apenas uma nota de desabafo. Faz tempo que não escrevo ou apareço por aqui, e isso me pesa. Mas é momento de concentração para terminar o doutorado. 

No entanto, no caminho hoje de manhã para a UFRJ li uma passagem de Ensaios Céticos de Bertrand Russell e tive o sobressalto e a vontade de vir compartilhar. Essa passagem não é somente a perspectiva de um homem cético sobre a cegueira humana no momento em que ele vivia. É também um relato histórico do século XX. E lido agora no século XXI, é impossível não sentir um aperto no peito. A histórica se repete? Coloco aqui o ponto de interrogação na esperança da dúvida.
Como cientista em formação e comunicadora, fico a pensar se nós - cientistas, comunicadores e historiadores - falhamos ao comunicar. Seriam as guinadas à intolerância da humanindade nesse momento decorrentes da ignorância científica e histórica? Ou não; a cruel e indigesta realidade seria o fato de que por mais que sejamos a população humana mais educada de todas as eras humanas, nossa paixão por crenças irracionais fala mais alto.

O século XX foi marcado por preconceito e totalitarismo, inclusive na ciência. A eugenia foi estudada e defendida por cientistas europeus recorrentemente nesse século. No século XXI, no entanto, ficamos menos ignorantes perante a nossa própria biologia; uma das maiores conquistas deste século foi o sequenciamento do genoma humano e a constatação definitiva de que não existem raças humanas: somos todos humanos com as mesmas potencialidades.


Nesse cenário, como é que ainda há espaço para Bolsonaros e Donald Trumps? 

Quando acertar suas contas com a história, o século XXI não poderá atribuir a sua intolerância à ignorância.

A história se repete. (?) Vamos ler Russell.

Bretrand Russell, filósofo e matemático pacifista, escreveu essa passagem no período entre guerras no século XX (entre a Primeira e a Segunda Guerra mundial). Mal sabia ele o que estava por vir mas décadas que se seguiram. 
O quanto podem ou devem as ações humanas ser irracionais?
… Shakespere reuniu “o lunático, o amante e o poeta”, todos com imaginação substancial. O problema é ficar com o amante e o poeta, sem o lunático. Darei um exemplo. Em 1919, vi As mulheres de Tróia encenada no Old Vic. Existe uma cena insuportavelmente patética, na qual Astianax é condenado à morte pelos gregos por medo de que se torne um segundo Heitor. Quase todos choravam no teatro e a platéia achou a crueldade dos gregos, na peça, difícil de acreditar. No entanto, essas mesmas pessoas que choravam estavam, naquele momento, praticando a mesma crueldade em uma escala que a imaginação de Eurípides jamais poderia contemplar. Haviam acabado de votar (a maioria delas) em um governo que prolongava o bloqueio à Alemanha após o armistício e impunha o bloqueio à Rússia. Sabia-se que esses bloqueios causariam a morte de um grande número de crianças, mas desejavam diminuir a população dos países inimigos: as crianças, como Astianax, poderiam crescer e imitar seus pais. O poeta Eurípides despertara o amante na imaginação da platéia; mas o amante e o poeta foram esquecidos na porta do teatro, e o lunático (na forma de maníaco homicida) controlava as ações políticas desses homens e mulheres que se acreditavam bons e virtuosos. É possível preservar o amante e o poeta sem conservar o lunático? Em cada um de nós, os três existem em graus variados. Estariam eles tão ligados que quando um fosse mantido sob controle os outros pereceriam? Não acredito nisso. Creio que em cada um de nós existe uma certa energia que deve encontrar expressão em ações não inspiradas pela razão, mas que pode exprimir-se na arte, no amor apaixonado, ou no ódio apaixonado, de acordo com as circunstâncias. A respeitabilidade, a regularidade e a rotina – as disciplinas de ferro fundido na sociedade industrial moderna – atrofiaram o impulso artístico e aprisionaram o amor de tal forma que ele não pode mais ser generoso, livre e criativo, mas sim sufocante e furtivo. O controle foi aplicado a questões que deveriam ser livres, enquanto a inveja, a crueldade e o ódio disseminaram-se amplamente com a bênção de quase todos os bispos. Nosso sistema instintivo consiste de duas partes – a que tende a impulsionar nossa vida e a de nossa descendência, e aquela propensa a se opor às vidas de nossos supostos rivais. A primeira inclui a alegria de viver, o amor, e a arte, que são, do ponto de vista psicológico, uma derivação do amor. A segunda inclui competição, patriotismo e guerra. A moralidade convencional faz tudo para suprimir a primeira e encorajar a segunda. A verdadeira moralidade procederia exatamente ao contrário. Nossas relações com aqueles que amamos podem ser entregues, com segurança, ao instinto; e nossa relação com aqueles que odiamos deve ser posta sob o domínio da razão. No mundo moderno, aqueles a quem efetivamente odiamos são grupos distantes, em especial nações estrangeiras. Nós os concebemos de forma abstrata e nos enganamos ao crer que os atos, que são na verdade encarnações do ódio, são praticados por amor à justiça ou por algum motivo nobre. Apenas uma grande dose de ceticismo pode rasgar os véus que escondem de nós essa verdade. Tendo alcançado isso, podemos começar a construir uma nova moralidade, que não esteja baseada na inveja e na restrição, mas no desejo de uma vida completa, e a perceber que outros seres humanos são uma ajuda e não um impedimento, depois que a loucura da inveja for curada. Isso não é uma esperança utópica; foi em parte realizada na Inglaterra elisabetana. Poderia ser alcançada amanhã, se os homens aprendessem a perseguir sua própria felicidade e não o infortúnio dos outros. Isso não é uma moralidade austera impossível; no entanto, sua adoção faria da terra um paraíso.” 

                                                     Ensaios Céticos - Bertrand Russell


 

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Finalmente é hora de homenagear os primeiros genes do mexilhão dourado! Crowdfunding rocks!


É com imensa satisfação que anunciamos o sequenciamento e anotação completo do genoma mitocondrial do mexilhão dourado! And guess what? Esse genoma codifica 37 genes, e por isso, nossos primeiros colaboradores vão poder batizá-los!! 

Se você não sabe do que estou falando, dê uma olhada neste post aqui, e nesse vídeo!

Imagino que você já tenha ouvido falar sobre a mitocôndria, né? Esta é uma organela celular muito importante! A mitocôndria é responsável por codificar proteínas e subunidades ribossomais envolvidas na produção de energia da célula! A mitocôndria é a única organela celular animal que possui seu próprio genoma!


Hein?

...

Vou explicar!

Cada célula do nosso corpo possui uma cópia completa do genoma nuclear dentro do seu... núcleo! Dã! Genoma nuclear dentro do núcleo... faz sentido, né? E é por isso que todas as células, todinhas, num estágio inicial do desenvolvimento, têm o potencial de se transformar em célula de qualquer um dos tecidos do nosso corpo: cérebro, fígado, coração... Porque toda célula tem uma cópia completa do genoma nuclear dentro do seu núcleo!!! O que transforma uma célula em cada coisa específica, são os diversos sinais extra e intracelulares emitidos durante o desenvolvimento embrionário... (E é por isso que tem tanta gente interessada em estudar as células tronco! Essa galera quer entender exatamente quais são esses sinas celulares que fazem do fígado um fígado! E querem poder gerar qualquer tecido do corpo de uma pessoa novamente a partir das suas células tronco. Continuando com o exemplo do fígado: se você beber demais e precisar de um fígado novo, poderá ter um transplante de um fígado gerado a partir das suas próprias células tronco, e aí vai evitar muita dor de cabeça ao não precisar de imunossupressores!).

Cool!

Mas o papo hoje não é genoma nuclear! No genoma nuclear do mexilhão dourado ainda estamos trabalhando! São em média 1 bilhão de letrinhas ACTG para colocar em ordem! A ordem final do genoma nuclear, junto com os últimos batismos de genes, serão conhecidos até o início de 2017!

O genoma mitocondrial de qualquer animal é sempre muito menor do que o genoma nuclear! No caso do mexilhão dourado, são 18145  (dezoito mil cento e...) letrinhas ACTG em sequência codificando 35 genes, e também duas subunidades ribossomais! O manuscrito onde descrevemos o genoma mitocondrial do mexilhão dourado está pronto para submissão à uma revista científica internacional! O que acontece agora é a revisão pelos pares: outros cientistas da área vão ler nosso manuscrito e confirmar se todas as análises foram feitas adequadamente, e se nossos resultados seguem os padrões científicos. Com o OK final dos pares, a revista torna o trabalho público!

E é nesse manuscrito que queremos inserir os batismos de cada gene!!! Nosso acknowledgments, ao final do manuscrito, vai referenciar cada colaborador, e o nome que ele escolheu para o seu gene! A partir daí, todo cientista que se interessar pelo genoma mitocondrial do mexilhão dourado vai ler esse manuscrito e encontrar os batismos!

Emocionante!!

...


Mas calma aí! Preciso voltar para a história da mitocôndria!
Por que a mitocôndria é a única organela que tem um genoma próprio?

Pasmem: há muitas evidências de que a mitocôndria era uma bactéria de vida livre que foi engolfada e não digerida por uma célula animal, estabelecendo uma simbiose! Essa simbiose - relação mutuamente vantajosa entre dois ou mais organismos vivos de espécies diferentes - foi tão vantajosa que com o passar do tempo a bactéria se tornou uma organela celular! E é por isso que a mitocôndria tem seu próprio genoma e é capaz de se duplicar, transcrever e traduzir sua própria informação genética; porque um dia ela foi uma bactéria independente! Dá uma olhadinha na imagem abaixo, veja se ela não tem uma carona de bactéria, hein?

Figura 1: Ilustração de uma mitocôndria animal! Organela celular que tem seu próprio DNA. Acabamos de sequenciar e montar o genoma completo da mitocôndria do mexilhão dourado, e nossos colaboradores no Catarse vão poder batizar os genes dela! *creative commons licence


Uau!

Vai dizer que a biologia não é surreal? Bactérias entrando em células animais e ficando lá para sempre... Bem mais legal do que filme de alien!!

...

Estamos TÃO orgulhosos de batizar os genes da mitocôndria do mexilhão dourado! 

A coisa vai funcionar da seguinte forma: abaixo estão os nomes dos colaboradores e o nome oficial do gene que eles devem batizar! Vamos por ordem de doação! Por isso, os primeiros 13 colaboradores que doaram R$ 100 ou mais, vão nomear os genes que codificam as proteínas envolvidas no complexo catalítico formador de ATP e também as duas subunidades ribossomais codificadas pela mitocôndria! Os primeiros 24 colaboradores que doaram até R$50, vão batizar os genes codificadores dos RNAs transportadores!!

Os genes codificados na mitocôndria estão todos envolvidos na produção de energia! A mitocôndria funciona dentro da célula mais ou menos como uma usina hidrelétrica: a força da água, energia mecânica, é convertida em energia elétrica pela hidrelétrica, certo? A mitocôndria transforma a energia que ingerimos como alimento em ATP (no biologuês: adenosina trifosfato), que é a molécula armazenadora de energia em todos os sistemas biológicos! Assim como a gente precisa de energia elétrica para tudo - como exemplo, carregar o celular pra não perdermos nenhuma foto no Instagram! - o organismo também precisa de ATP para manter o metabolismo funcionando!!

Por isso, quando for batizar o seu gene, ESCOLHA PRA ELE UM NOME BEM ENERGÉTICO!!

Essa é a lista dos colaboradores que doaram até R$50* e vão batizar RNAs transportadores (tRNA):

1-) Afonso Henrique Coelho Dantas - tRNA (Phe) / leia-se: RNA transportador fenilalanina!
2-) Leandro Léo Rebelo - tRNA (Trp) / tRNA Triptofano
3-) Tatiana Medeiros Barbosa Cabrini - tRNA (Lys)1 / tRNA  Lisina 1
4-) Ana Flavia Maestri - tRNA (Tyr) / tRNA Tirosina
5-) Juliana Alves Americo - tRNA (Lys) 2 / tRNA Lisina 2
6-) Vinicius de Toledo Ribas - tRNA (Ala) / tRNA Alanina
7-) Debora Batista Pinheiro Sousa - tRNA (His) / Histidina
8-) Adriana Cabanelas Pires - tRNA (Gly) / tRNA Glicina
9-) Gabriela Pimenta dos Reis - tRNA (Pro) / tRNA Prolina
10-) Ricardo Laurentino dos Santos - tRNA (Cys) / tRNA Cisteína
11-) Mariana Dias Ribeiro - tRNA (Leu) 1 / tRNA Leucina 1
12-) Juliana Manasfi Figueiredo - tRNA (Ile)
13-) Martin Bonamino - tRNA (Ser) 1 / tRNA Serina 1
14-) Wolferson José de Arruda - tRNA (Ser) 2 / tRNA Serina 2
15-) Bruno Sakai Costa - tRNA (Asp) / tRNA Ácido Aspártico
16-) Morgana Rezzadori Camara - tRNA (Glu)
17-) Rafael Bento da Silva Soares - tRNA (Leu) 2 / tRNA Leucina 2
18-) Raquel Moraes Soares - tRNA (Gln) / tRNA Glutamato
19-) Lilian Nogueira - tRNA (Arg) / tRNA Arginina
20-) Evelise Dambros da Luz - tRNA (Val) / tRNA Valina
21-) Abrahão Silva de Souza - tRNA (Thr) / tRNA treonina
22-) Mariana capparelli - tRNA (Asn) / tRNA Aspartato
23-) Clarissa Rossato Nicoloso - tRNA (Met) 1 / tRNA Metionina 1
24-) Rafael Tuma Guariento - tRNA (Met) 2 / tRNA Metionina 2

* colaboradores que doaram R$50 e até R$100 vão ganhar nomes de genes órfãos! E esses genes estão presentes apenas no genoma nuclear! Então vão precisar esperar mais um pouquinho com o resto do pessoal!

E a seguir a lista dos colaboradores que doaram mais de R$100 (e menos de R$ 1,000)! Eles vão nomear os genes que codificam os proteínas envolvidas no processo de respiração celular! Além disso, dois colaboradores vão nomear as sequências de DNA que dão origem a duas subunidades ribossomais! Os ribossomos são importantíssimos na construção de outras proteínas! Todos esses colaboradores vão receber por e-mail também uma ilustração do seu gene personalizada com o nome escolhido!

25-) João Batista de Mello - ND6 ou NADH desidrogenase 6
26-) Alexandre Rossi Paschoal - CYTB / citocromo B
27-) Lúcia de Moraes - ND4L / NADH desidrogenase, subunidade 4L
28-) Marcelo Simões Rezende - ND5 / NADH desidrogenase, subunidade 5
29-) Emanuel Barbosa de Castro e Moura - COX2 / citocromo c oxidase, subunidade 2
30-) Luiz Fernando Nicolai Weinmann - COX1 / citocromo c oxidase, subunidade 1
31-) Leila Costa Vecchio - COX3 / citocromo c oxidase, subunidade 3
32-) Gracielle Vendruscolo Braga - ND3 / NADH desidrogenase, subunidade 3
33-) Thiago Cruz Negreiros - ND4 / NADH desidrogenase, subunidade 4
34-) Jean Remy Davee Guimaraes - ND2 / NADH desidrogenase, subunidade 2
35-) Rafael Trevisan - ND1 / NADH desidrogenase, subunidade 1
36-) Roberto Lent - s-rRNA / RNA ribossomal, subunidade pequena (small)
37-) Leonardo Mataruna R-rRNA / RNA ribossomal, subunidade grande (large)

Pedimos aos financiadores citados aqui que batizem seus genes ao longo dessa semana, se possível! Precisamos submeter o manuscrito para a revista científica, que então vai enviar para revisão pelos pares!


Crowd, temos muito orgulho de vocês! Nós, pesquisadores do projeto de sequenciamento e montagem do genoma do mexilhão dourado, acreditamos na participação ativa e direta da sociedade em financiar projetos científicos e ideias relevantes!



O processo de revisão do manuscrito científico pelos pares pode levar alguns meses! Por isso, não sejamos ansiosos: assim que o manuscrito estiver publicado enviaremos uma cópia para cada um de vocês!

Não entendeu alguma parte do processo? Por favor deixe um comentário no blog e nós logo responderemos!


Juntos somos mais fortes! Vamos terminar com um trecho escrito pelo John?

"...You may say I'm a dreamer, but I'm not the only one. I hope someday you will join us. And the world will be as one..."







sexta-feira, 31 de julho de 2015

A cobra com patas e os "direitos" dos cientistas brasileiros


Você já ouviu falar na história de que os pássaros são os dinossauros do nosso tempo? Isso mesmo. Os pássaros parecem ser os parentes mais próximos dos dinossauros que vivem no Planeta Terra nos dias de hoje.

O máximo, né? 

Uma das evidências mais importantes - estudada pelos paleontólogos para chegar a essa conclusão - é o fóssil Archaeopteryx; um gênero animal que viveu no período Jurássico, há aproximadamente 150 milhões de anos, pelas bandas do que hoje é o sul da Alemanha. Seu nome em alemão, Urvogel, significa primeiro pássaro. Eram espécies pequenas e com asas largas, o que provavelmente os possibilitava voar. No entanto, eles possuíam mandíbulas com dentes afiados, três dedos com garras, uma longa cauda óssea e penas; características típicas dos dinossauros. Tudo isso você consegue observar no fóssil, e por causa dessas características esse gênero é considerado a transição animal entre dinossauros e aves.


Ceative commons license: Archaeopteryx lithographica, found in the Jurassic Solnhofen Limestone of southern Germany.

Porque queria mostrar aos seus alunos o Archaeopteryx, o cientista inglês Dr. David M. Martill levou a turma à Alemanha, à ummuseu na pequena cidade de Solnhofen. Chegando lá, além do fóssil do dinossauro-pássaro, Dr. Martill encontrou também um outro fóssil com a etiqueta "fóssil de vertebrado não-identificado". Estava lá, dando sopa.

O estudo desse espécime foi publicado na revista Science desta semana.

E por que foi publicado na Science? Porque tudo indica que este é um fóssil de uma cobra antiga que possuía patas!

Mas, what is the big deal  sobre termos um fóssil de cobra com patas?




Este fóssil nos ajuda a entender um pouquinho sobre a evolução das cobras. Vai dizer que você também não acha as cobras animais peculiares? Pois bem: os cientistas já sabem que muito provavelmente as cobras evoluíram dos lagartos, mas não entendem exatamente de qual espécie de lagarto, quando e por que elas evoluíram para cobras. O Tetrapodophis amplectus, esse fóssil, cujo estudo foi publicado na Science, possui apenas 8 cm de comprimento, e parece ser o molde do que um dia foi uma cobra jovem. Ele não apresenta uma cauda longa lateralizada, o que é característica dos animais aquáticos; e essa evidência sugere que as cobras não devem ter evoluído de animais aquáticos, mas sim de terrestres.

Mas a característica mais marcante para os cientistas foi encontra 2 pares de patas em Tetrapodophis amplectus! Aparentemente, as primeiras espécies de cobras existentes no Planeta Terra, lá beeeem antigamente, tinham patas, com mãos, dedos e tudo!



A história evolutiva das cobras que os cientistas tinham conseguido contar até agora, envolvia a possível presença de pernas vestigiais, no momento em que as cobras deixaram de andar e começaram a se arrastar. Mas, juntando esse fóssil às evidências, parece que a história é um pouquinho diferente: os cientistas estão especulando se ao invés de tornar-se um órgão apenas vestigial, se essas patas não podem ter tido alguma utilidade nessas cobras primitivas, como para caçar e prender presas.

Mais um pedacinho de evidência na luta para nos ajudar a contar a história evolutiva das cobras! 

Uau, hein?



A preservação e o encontro de fósseis intactos é algo extremamente raro de acontecer. Por isso, cada evidência como essa, que nos ajuda a montar de forma mais acurada a história evolutiva dos seres vivos na Terra, é um material extremamente precioso!

E sabe onde essa cobra patuda vivia?

No Brasil, no Ceará! Há cerca de 120 milhões de anos.

Mas... se esse é o fóssil de uma espécie que viveu no Ceará, o que ele estava fazendo perdido num museu na Alemanha?


Ahá.

Pois então.

Bom, a gente já sabe que durante todo o período colonial, os europeus extraíram muitas riquezas das suas colônias (Américas, África, Oceania) e levaram para a Europa. Mas a verdade é que no Brasil esse despatriamento que riquezas não parou até hoje. Há várias evidências e denúncias de contrabando de fósseis, mas pouca investigação e contenção desse crime contra a ciência.



No caso do Tetrapodophis amplectus, parece que ele permaneceu em uma coleção privada por muitos anos antes de ir parar no museu Alemão. Segundo os pesquisadores europeus envolvidos no estudo desse fóssil, eles o encontraram pela primeira vez já lá na Alemanha. Bem longe do Ceará. E então o estudaram, e trouxeram essa imensa contribuição para a ciência ao conhecimento de todos. 

Depois que o trabalho foi publicado, uma polêmica foi levantada no Brasil sobre a possível ilegalidade da transferência do fóssil para a Europa, e sobre um possível direito dos cientistas brasileiros sobre o estudo do mesmo. 


Quando questionado sobre o caso da transferência ilegal do fóssil para a Alemanha, e sobre incluir cientistas brasileiros no trabalho, em se tratando de um fóssil procedente do Ceará, o paleontólogo inglês, Dr. Martill, fez algumas colocações interessantes.



 “...That also lead to xenophobia — Brazil fossils for Brazilians, British fossils for Brits. It should be fossils for all. No countries existed when the animals were fossilized..."
"...For me nationality (or sexuality) is not an issue. If you invite people because they are Brazilian then people will think that every Brazilian author on a scientific paper is there because he is Brazilian and not because he is a clever scientist..." 

Numa tradução simplificada e não literal, ele diz que quando os animais foram fossilizados não havia ainda países. E que adicionar cientistas brasileiros na pesquisa apenas por eles serem brasileiros poderia levar à uma interpretação errada do papel desses cientistas. 


(Escolhi deliberadamente alguns trechos da entrevista do cientista para argumentar o meu ponto. Para uma leitura completa e independente da entrevista do Dr. Martill, clique aqui). 

Além de fazer comentários - que do meu ponto de vista - foram sensatos, no entanto, o paleontólogo se excede em comparações sem sentido, misturando assuntos delicados e não relacionados.


De qualquer forma, acho que temos abordado o assunto pelo ângulo errado. Será que devemos continuar discutindo a eticidade do cientistas inglês - como pesquisador e como pessoa - e esquecer o verdadeiro coração desse problema?



Será que não devíamos pensar sobre o que esse caso diz sobre nós brasileiros?


Conheço alguns paleontólogos e estudantes de paleontologia brasileiros, e não tenho dúvidas de que o Brasil tem cientistas competentes o suficiente para fazer a descrição desse fóssil. Mesmo assim, isso não aconteceu. Qual é então a pergunta mais importante aqui? Não seria, por que?
E depois dessa: até quando?

O Brasil não é o país da ciência. Nos últimos tempos, nem do futebol. Agarrar a bandeira verde e amarela e gritar "o fóssil é nosso!!!" é simplesmente mudar de assunto.


Quando vamos começar a fazer e responder às perguntas mais difíceis e mais importantes? 





segunda-feira, 15 de junho de 2015

Resposta às indagações de um estudante: a vida que vale a pena ser vivida.

Dias atrás recebi um e-mail de um estudante do terceiro ano do ensino médio, meu conterrâneo da cidade de Criciúma em SC, me contando que gostaria de prestar vestibular para biologia no final do ano, mas ainda tinha algumas dúvidas sobre se teria escolhido a profissão certa. Indagou se poderia me fazer algumas perguntas sobre a profissão, se eu poderia dar a minha opinião sobre o tema!

Ora, é claro que eu posso falar um pouco, e fico contente que confiem na minha experiência. No entanto, logo afirmo que meu caminho na biologia é único, individual, não tão longo e, por todas essas razões, limitado. Assim como o de todos os biólogos! Além de tudo, a minha perspectiva sobre a vida é sempre um pouco filosófica. Por isso, o conselho número um que eu posso e gostaria de dar é: não siga ao pé da letra os conselhos de ninguém! Conheça-se: conheça os seus desejos, os seus anseios, e os seus valores! Se você tiver o conhecimento de si mesmo, e a humildade e maturidade para saber ouvir os outros, vai tomar decisões acertadas na vida na maior parte dos casos (mesmo que em certos momentos o senso comum diga que você deveria seguir em outra direção!).
Então vamos às perguntas e às minhas respostas:

1-) O que tem de negativo e de apaixonante que me faria desistir ou seguir a carreira? Como é realmente o dia a dia de um biólogo?

 Pois bem. O biólogo é um profissional bem diversificado, e a rotina de diferentes biólogos vai variar tremendamente. Uns trabalham em ONGs de preservação da biodiversidade, outros lecionam biologia nas escolas de ensino fundamental e médio. Outros biólogos optam por seguir carreira de pesquisador e professor do ensino superior, e para isso continuam sua formação acadêmia, fazendo mestrado e doutorado, por volta de 7 ou 8 anos após o fim da graduação. Encontrei esse post interessante que menciona salários e distingue o biólogo bacharel do licenciado. Recomendo a leitura para ter um panorama mais técnico sobre o assunto. Link aqui de novo: http://goo.gl/eNxieA 

Um dos pontos mais negativos, ao meu ver, é a falta de valorização do profissional biólogo em termos de salário. Tanto para professores do ensino básico e médio, quanto para biólogos sem nível de pós-graduação, os salários podem ser bem desvalorizados (você encontra comentários sobre isso no mesmo post indicado à cima). A desvalorização do professor não é privilégio único dos professores de biologia, infelizmente. A situação desse profissional é crítica no país há muito tempo. Quando à desvalorização do trabalho pela preservação da biodiversidade, essa está muito ligada ao modelo econômico desenvolvimentista que ainda empregamos. Um exemplo: na última entrevista da presidente Dilma ao Jô Soares, ouvimos ela afirmar várias vezes que "não controla a seca", e por isso não controla os gastos econômicos gerados por ela. Ora, acho que ela anda ouvindo pouco alguns cientistas do país, como Antônio Nobre:







Cada vez mais as pesquisas científicas demonstram a relação direta da presença da densa floresta amazônica com os níveis de chuva no sudeste. Sem floresta não tem água. Quanto menos combater o desmatamento da amazônia, mais problemas com a seca ela terá durante o seu governo. 

Dessa forma: um dos pontos mais negativos da profissão de biólogo é trabalharmos num mundo ainda muito mal informado, e que por isso não valoriza e possibilita o trabalho pleno do biólogo em pró da preservação da biodiversidade; outras formas de vida que não incluem só a vida humana.

Mas é também nessa dificuldade que se encontra uma das grandes graças da biologia: o seu poder educacional. Há muito o que se esclarecer sobre desenvolvimento sustentável, e o biólogo tem papel decisivo nesse processo educativo.  E isso pode ser bem emocionante!

 3-) E o que é investido tem retorno?

 Minha resposta para essa pergunta só pode ser filosófica: o que você considera retorno

Sério. Estou perguntando isso mesmo! 


Há de se pensar o que se quer da vida! Dou meu exemplo pessoal: sou catarinense e faço doutorado em Biofísica na Universidade Federal do Rio de Janeiro. No momento estou na Alemanha, onde ficarei por um ano trabalhando em um laboratório de biologia computacional, fazendo meu doutorado sanduíche. Cursei biologia na Ilha da Magia em Florianópolis, e quando o curso acabou me mudei para o RJ. Hoje estou na Alemanha, e durante minha vida acadêmica já passei 11 meses na Inglaterra e 2 meses na Itália. Todas essas minhas viagens têm sido muito felizes e produtivas e, pra mim, têm valido muito a pena: porque valorizo minha carreia - sinto empolgação no trabalho a cada dia - e essas viagens sempre possibilitam que a qualidade do meu trabalho de pesquisa aumente. Porque valorizo viver novas experiências, conhecer culturas diferentes. Valorizo aprender que a forma como vejo o que seria "uma vida boa" não é a mesma forma que pessoas em outros lugares do mundo veem. Todas essas experiências me tornam uma cientista e um ser humano mais completo, mais humilde, tolerante com as diferenças. Só que toda essa mudança pra lá e pra cá no mundo tem seu lado negativo: a distância da família e dos amigos, do que nos é familiar no nosso lugar de origem, e das coisas que só conseguimos fazer lá e em nenhum outro lugar. Além disso, uma vida de pós-graduando com dedicação plena no Brasil significa viver pelo menos 6 anos com bolsa de estudos: sem férias, sem direitos, sem contribuição para a aposentadoria. A Prof. Suzana Herculano tem um texto bastante realista sobre essa situação, e eu recomento a leitura. Aqui.

Dessa forma, vale você pensar o que significa retorno para você. No meu caso, não consigo pensar em sacrificar meu dia a dia como doutoranda fazendo ciência, como educadora e escritora, pela segurança de um emprego mais estável, mas também mais mecânico. Decidi, e decido a cada dia (pois recalculo minha rota constantemente) correr o risco da alta competitividade por uma vaga no mundo acadêmico após o doutorado, por acreditar que uma vida como cientista e educadora na universidade me fará mais contente.

O que faz você feliz? 

Certamente você ainda é bastante jovem e tem muito a aprender. Assim como eu (e qualquer pessoa que tenha até por volta de uns 90 anos.. de repente um pouquinho mais!). E como essa nossa vida é muito curta e preciosa, recomendo que você comece a pensar nisso o quanto antes! Uma das TED talks mais magníficas dos últimos tempos recomendada para pessoas jovens é essa: Why 30 is not the new 20! 








Recomendo! Se você não for ler nenhum dos outros textos que recomendei ao longo do post, pelo menos assista à essa TED Talk!!!


Recomendo também uma iniciação em filosofia LEVÍSSIMA, livro do Prof. Clóvis de Barros Filho. Não há academicismos dentro do texto, é leitura leve. O livro chama-se A vida que vale a pena ser vivida.


Espero que eu tenha ajudado. (Ou só compliquei mais ainda?)Termino com uma frase magnífica que, pra mim, defini felicidade: 


 "I don't want to live any other life apart from the one I'm living." - definition of happiness.