Há
algumas semanas, entre os dias 25 e 30 de setembro, vivi bons momentos entre
amigos em um verdadeiro paraíso tropical; a praia pernambucana Porto de
Galinhas. Não, não estava lá para tirar as boas e merecidas férias. Mas fui por
um outro motivo também fortemente motivador, a ciência; fui participar do XII
Congresso Brasileiro de Ecotoxicologia.
Minha
participação envolveu uma breve apresentação do meu próprio trabalho de
mestrado. Já expliquei aqui nesse blog brevemente que estou estudando a
genética de dois moluscos bivalves, o mexilhão de água doce invasor Limnoperna fortunei e o marinho Perna perna.
Estou
montando um perfil transcriptômico para ambas as espécies. Montar um
transcriptoma é parecido com montar um genoma, que tenho certeza que você já
ouviu falar sobre. A diferença é que um transcriptoma representa apenas uma
parte do genoma; a que contém os genes. O genoma inteiro possui várias regiões
chamadas não codificantes, que representam
um desafio na montagem. Com o transcriptoma, não estamos preocupados com esta
parte.
E
porque estou fazendo isso? A razão para sequenciarmos e mapearmos os genes para
ambas as espécies é diferente entre si. Este post trata das razões pelas quais estou montando o transcriptoma de Limnoperna
fortunei, o mexilhão dourado.
Na
verdade, muitas pessoas já ouviram falar dele. Este organismo é um invasor
asiático, presente em águas sul americanas desde o início da década de 1990.
Ninguém sabe ao certo, mas temos boas razões para imaginar que o mexilhão dourado
fez sua viagem da Ásia até aqui em água de lastro de algum navio.
Em 1991, pesquisadores encontraram os primeiros espécimes no porto de Buenos
Aires, na Argentina. E, desde então, ninguém conseguiu impedí-lo de se estabelecer
por aqui! Atualmente ele está presente nos maiores rios da América do Sul, como os
rios da Prata, Uruguai, Paraguai e Paraná. Também anda infestando o lago Guaíba,
no sul do Brasil, e alguns outros rios e lagos da região. A distribuição limite
norte do mexilhão dourado é a cidade de Cáceres. Adivinhe? No coração do
Pantanal Brasileiro.
Ok.
Temos um mexilhão novo em nossas águas. E daí?
Vários
'daís'. Dentre as diferentes características biológicas que este mexilhão
possui e que facilitam seu sucesso como invasor, uma bastante marcante é a
capacidade de produzir densas populações. Quando esta espécie foi encontrada
pela primeira vez na Argentina, em 1991, a densidade da população era de 5
organismos / m2. Em 2002, este número chegou a 150 mil organismos /
m2. É, é muito mexilhão junto!
E este é um dos
motivos que tem dado dor de cabeça às companhias de abastecimento de água e
usinas hidrelétricas. A larva de L.
fortunei é planctônica (e por isso, muito pequena!!). Através delas ele consegue ultrapassar filtros e grades desses estabelecimentos e acaba se
alojando em localidades onde o impacto da água não é tão severo. No caso das
usinas hidroelétricas, são os trocadores de calor. Uma vez lá, eles começam a
crescer sem parar, resultando nisso!
O
que você vê aí é uma turbina de usina hidrelétrica infestada de mexilhões
dourados! Já pensou? Pois é, com essa dispersão toda pela América do Sul, o
mexilhão já chegou em grandes usinas como Itaipu, e à sistemas de várias
companhias de abastecimento de água da Argentina. Os gastos econômicos que ele
tem causado não têm sido desprezíveis!
Mas se um mexilhãozinho como este tem a
capacidade de se reproduzir desta forma empatando o trabalho das usinas, já pensou o que ele pode fazer ao meio ambiente? Pense, uma vez introduzido em
novas águas, ele rapidamente começa a se reproduzir, aderindo em qualquer
superfície que 'vê' pela frente. Vários cientistas tem prestado atenção nele, e
muitas mudanças nos ecossistemas onde ele se insere já foram noticiadas. O
mexilhão dourado é considerado um engenheiro de ecossistemas. Isso significa
que ele modifica os ambientes onde vive. Aqui nas águas sul americanas, suas
densas populações têm diminuído os números de algumas populações artrópodes, uma vez
que o mexilhão literalmente cresce em cima destes e os mata por asfixia. Por outro
lado, sua farta presença tem aumentado substancialmente a população de certos
peixes, uma vez que ele se tornou um novo, suculento e disponibilíssimo menu
alimentar!
Não
quero me alongar muito, porque sei que você tem outras coisas para ler/fazer,
mas uma coisa preciso afirmar: todos os estudos considerando o mexilhão dourado
um engenheiro de ecossistemas e analisando as modificações que ele tem causado
em seu caminho de invasão confirmam; a presença de tal molusco diminui a
biodiversidade das áreas invadidas. E você quer saber de uma coisa? A partir de
Cáceres, seu ponto final de distribuição até então, ele só tem que percorrer em torno de
150 km até chegar ao rio Téles Pires, que por sua vez, se encontra com o Rio
Tapajós, já pertencente a Bacia Amazônica. Isso. Ele está a 'um pulinho' de
invadir águas amazônicas, águas essas que guardam a maior biodiversidade
aquática do mundo. Do mundo inteiro!
E
por essa razão, chegamos ao motivo do meu mestrado. Minha intenção, montando o
quebra cabeça dos genes desta espécie, é entender melhor a biologia do mexilhão
dourado. O que ele tem que o faz capaz de se estabelecer em rios tão distantes
uns dos outros? Como é possível que ele tenha sobrevivido todo o caminho da Ásia
até aqui? E que história é essa de sair se fixando em tudo quanto é superfície
e criando aquelas populações imensas?
Se
acharmos respostas para algumas dessas questões, é possível que encontremos a
maneira de conter esta invasão.
Um
estudo de montagem de quebra cabeças deste tipo já mostrou que os genomas e
transcriptomas tem muito a acrescentar em lutas como esta. Recentemente foi
publicado na Nature, revista científica
de alta relevância, o genoma da ostra-do-pacífico, de nome científico Cassostrea gigas. Este outro molusco
bivalve, parente do mexilhão dourado, também se adapta bem a diferentes
ambientes aquáticos. Uma das características mais marcantes é sua resistência a
longos períodos desabrigado da água, devido às marés. Pois bem, os cientistas
chineses estudando este animal já notaram que ele possui uma grande
quantidade de proteínas de choque térmico, proteínas estas responsáveis por
manter o metabolismo do organismo saudável em situações de estresse. Repare,
enquanto os seres humanos possuem apenas 17 dessas proteínas, esses bivalves possuem
39.
Interessante,
não? E é este tipo de investigação que eu e meu grupo de trabalho, na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, estamos fazendo também para o mexilhão
dourado. Qual tipo de proteínas ele possui que podem estar ajudando nesta
atividade invasora? E melhor, quais dessas proteínas, essenciais para sua vida,
podem ser alvos de estratégias de controle dessa invasão?
Estamos em reta final na busca por respostas à essas perguntas. Além disso, gostaria de dedicar três linhas deste post à prosear sobre a maravilha da biologia destes bivalves. Animais tão simples como a ostra-do-pacífico e o mexilhão dourado capazes de tanto! A ostra, que comemos rotineiramente e nem se quer a admiramos um minuto por poder passar tanto tempo fora da água (Quanto tempo mesmo que os seres humanos conseguem ficar sem respirar? 5 minutos, no máximo?). E o mexilhão dourado, desbravando águas nunca antes exploradas com tanto sucesso!
Já chegamos a lua, mas sabemos tão pouco sobre organismos que estão tão intimamente relacionados conosco em nosso dia-a-dia! Neste momento, pelo menos, nossos cientistas e nossa bela ciência precisam ter humildade suficiente e admitir com entusiamo: temos muito ainda o que aprender!
Perna perna!!! Perna perna!!
ResponderExcluirparabéns pelo blog Marcela! realmente escrever para a comunidade científica é mais fácil que escrever para o público em geral kkkkk
o trasncriptoma é uma parte importante do processo para conhecermos melhor esses organismos aquáticos, mas a falta de conhecimento, ou de divulgação dele fora dos artigos ciientíficos, ainda é imensa para invertebrados marinhos. O dia que eu puder ir na biblioteca da Universidade e encontrar um livro de toxicologia aquática, ou de fisiologia de invertebrados marinhos, ou de ecotoxicologia, ou de biologica celular e imunologia de organismos aquáticos, bioquímica aplicada à invertebrados, como se fosse algo trivial assim como é para estudar mamíferos, aí sim poderemos dizer que esses animais são estudados como organismos modelo
transcriptoma, genomica, metabolômica, protêomica (seja para ver somente as proteínas, ou sua fosforilações, oxidações etc)...ainda são muitas coisas para fazer, apenas para tentar responder as atuais perguntas que temos, agora imagine as novas perguntas que irão surgir à partir desses novos trabalhos
falta um texto sobre o Perna perna, quero ver como você vai vender a idéia de um transcriptoma dele kkkkkk
Bjs, Trevisan
Como leigo no assunto não posso me aprofundar em questões mais técnicas, mas pude perceber o quão é importante poder controlar a proliferação desenfreada dos mexilhões, principalmente para evitar um estrago quanto a biodiversidade aquática da Bacia Amazônica e por consequência do mundo. Você e sua equipe certamente acharão um caminho adequado para controlar melhor a situação.Parabéns!!!
ResponderExcluirBjs. do Rô.
o mundo é um lugar interessante. cada um no seu quadrado e plim! a máquina funciona! (ou pelo menos poderia funcionar melhor.)
ResponderExcluire aqui se vê claramente que tens muito talento pra estares no teu quadradão :) beijão, Mah!
como ele se reproduz
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